segunda-feira, 5 de julho de 2010

Mar de Creta














Creta é a ilha situada mais a Sul do vasto arquipélago que compõe as ilhas Gregas.
Em plena fronteira entre o Mar Mediterraneo Oriental e o Mar Egeu a Norte, situa-se uma vasta extensão de água conhecida por Mar de Creta.
A ilha de Creta é assim banhada por aguas quentes e clima ameno, devido á sua localização sul, de influência Norte Africana, temperada por ventos frescos que sopram predominantemente de noroeste.
A sua localização geográfica sempre a tornaram um objectivo estratégico importante ao longo dos tempos.
Desde o berço da civilização Minoica, uma das mais importantes civilizações da antiguidade, Creta foi palco activo em todas as guerras e conquistas de variadas civilizações e culturas, que deixaram a sua marca profunda na identidade actual da ilha.
Ainda hoje são visíveis vestígios de todos estes povos ao longo da ilha. Do famoso palácio de Knossos, que deu origem á lenda de Minotauro, ruinas Romanas, influência Muçulmana, fortes Venezianos, dominio Turco, até inumeros Mosteiros e igrejas Ortodoxas, muitas delas ainda habitadas por monges e freiras, algumas podendo ser visitadas, tudo isto se encontra numa ilha com 260 km de comprimento e cerca de 60 km de largura.













Para juntar a toda esta riqueza cultural, encontramos belas montanhas, algumas com mais de 2400 metros de altitude, que terminam em desfiladeiros estreitos e profundos, com paredes de 500 metros que parecem querer juntar-se esmagando-nos com a sua imponência.
Depois há o mar…calmo, quente de cor azul clara ou verde esmeralda, que recorta inumeras praias de belezas indiscritíveis.
Faltava-me conhecer que segredos esconde esse mar, abaixo da superficie e que segundo escritos Minoicos antigos, engoliram a famosa Atlantida

Não me surpreendeu a ausência de cardumes de grande numero de individuos. É do conhecimento geral que o mar por aqueles lados há muitos anos que foi sobre-explorado e a sua preservação nunca foi encarada como prioridade. É urgente e existem planos para implementar na zona, reservas marinhas que garantam a preservação das espécies.
Os mergulhos foram realizados na bela baía de Mirabello, junto á Peninsula de Elounda através do Diving Center Pelagos, com base no hotel Minos junto a Agios Nikolaos.
Nessa area está previsto a implementação de uma reserva abrangendo uma area consideravel. Neste momento, para além de se notar o declínio do numero de indivíduos todos os anos em espécies importantes como as Salemas, algumas zonas mais junto á costa estão completamente "forradas" por linhas de pesca espalhadas no fundo, quer abandonadas por embarcações de pesca, quer por pescadores de costa.














Assisti á dedicação que o Stefanos tem com toda a area, limpando e observando quase cada planta ou pequena cavidade existente, ajudado pelo Chris que em todos os mergulhos recolhe um saco de rede cheio de novelos de nylon.
Para prejudicar ainda mais este equilibrio já tão débil, desde há cerca de 2 anos, uma espécie de alga invasora apareceu começando a destruir gradualmente todas as especies autóctones.
É um trabalho em contra-relógio e que parece não ter fim, num local onde o mergulho pode ter um potencial económico e turistico tão grande como todo o património terrestre.


"Operação Mercurio"














Maio de 1941. A II Guerra alastra em toda a Europa. As tropas nazis ultimam os preparativos para a invasão de Creta.
A ilha encontra-se defendida por tropas da Commonwealth, principalmente Australianas e Neo-Zelandesas apoiadas pela Royal Navy.
O General Kurt Student, um dos fanáticos seguidores de Hitler, planeia aquela que será a maior operação de invasão com recurso a tropas para-quedistas. Estava iminente o inicio da "Operação Mercurio", nome de código pela qual ficará registada a invasão da ilha de Creta.
No dia 21 de Maio de 1941, cerca de 500 aviões Junkers Ju 52 carregados de soldados para-quedistas dão inicio á invasão. De todos os aviões de transporte que participaram, perderam-se ou foram abatidos pelas defesas da ilha cerca de 170 aviões, alguns deles sem sequer conseguirem largar as tropas que tinham a bordo.
A ilha foi tomada após violentos combates e feroz resistencia, em 1 de Junho de 1941. Esta batalha foi um erro do ponto de vista de perda de vidas para as tropas nazis mas o objectivo foi alcançado.














Dos 22.000 soldados Alemães das tropas de assalto, morreram ou desapareceram em combate 3.600, muitos deles na primeira vaga de ataque.
A Alemanha nunca mais utilizou para-quedistas como primeiras tropas de assalto até ao final da guerra.
Os Junkers Ju 52 eram em 1939 aviões considerados obsoletos como bombardeiros, mas tinham sido muito utilizados na Guerra Civil Espanhola anos antes.
A Luftwaffe utilizava principalmente este tipo de aviões como transporte, inclusivé Hitler utilizou um Junkers Ju 52 como seu avião particular durante algum tempo
A sua alcunha era "Tante Ju" ( Tia Ju ) e era equipado inicialmente com um unico motor central. A partir de 1931 foram alteradas as especificações de fabrico e os Junkers Ju 52 começaram a sair das linhas de montagem equipados com 3 motores BMW 132T-2 de 820 hp , com 9 cilindros radiais.




















É com enorme expectativa que ao chegar ao Centro de Mergulho me informam que o spot desse dia será para mergulhar e ver um dos motores de um Junkers Ju 52 que se encontra afundado desde os dias da batalha de Creta.
Testemunha da história, foi colocado naquele local após ter sido recolhido em aguas mais fundas por um dos arrastões de pesca.
Os pescadores, após abrirem as redes, encontraram misturado com o peixe um dos famosos motores radiais da BMW.
Esse motor é devolvido aos Centros de Mergulho que operam no local e que decidem recolocá-lo onde hoje se encontra.
Durante o briefing informam-me também que, no local actual, já foram encontrados e recolhidos vários materiais bélicos tais como suportes de canhões de artilharia, bazookas e que vou ver também, espalhados pelo fundo, inumeros projecteis de artilharia intactos !!!

O dia está quente. O mar parece um espelho de águas azuis. Tudo em redor convida ao mergulho.
Vamos apenas três mergulhadores no barco. Eu, o Chris e o Stefanos como dive leader.
A viagem não demora mais que 15 minutos até ao local onde uma poita assinalada por uma embalagem de plástico a flutuar marca o sitio exacto por onde vamos descer.
A visibilidade é espectacular !! Mais de 20 metros permitem ver desde a superficie todo o cabo de descida. Descemos em conjunto e o Stefanos indica qual o caminho a seguir.
Sigo no meio, atrás o Chris.
Deixamos o cabo de descida no fundo a cerca de 18 metros. Descemos mais um pouco, utilizando como referencia do nosso lado esquerdo a parede quase vertical.
Passamos por uma enorme Raia escondida no fundo, que apercebendo-se da nossa presença levanta do fundo e rápidamente desaparece para maiores profundidades.
Consigo acompanhar com a vista, os seus graciosos movimentos até aos 40 - 50 metros de profundidade.

Continuamos em direcção Norte, lentamente. Atrás de mim o Chris recolhe e corta as linhas de nylon que vai encontrando para encher o saco e trazer para a superficie.
No ultimo olhar que faço ligeiramente para a minha rectaguarda do lado esquerdo, algo acima de mim, cerca dos 28 metros, chama-me á atenção.
Num primeiro olhar, por baixo, parece uma unha de uma ancora. Uma observação mais atenta revela uma enorme hélice de avião. Estamos no objectivo deste mergulho !!

A base do motor que acentou no fundo encontra-se já bastante encrostada na rocha do fundo.
No entanto, distinguem-se perfeitamente todos os componentes do motor. Os nove cilindros dispostos em circulo, com as suas enormes cabeças, as duas pás da hélice inteira ainda agarradas ao eixo e a protecção dos cilindros atrás da hélice. Está um pouco danificada, mas reconhecendo-se perfeitamente. O resto do conjunto, com todos os seus componentes lá está.
Oiço o tilintar do Stefanos. É hora de prosseguir o nosso mergulho.
Subimos lentamente dos 28 para os 20 metros, até uma zona de amontoados de pedra mais clara no fundo. Fazemos já o sentido inverso, na direcção onde tinhamos deixado o nosso barco.

Aparecem, espalhados pelas pedras, as primeiras munições de artilharia.
Algumas direitas no fundo, outras entaladas entre pedras. Estão perfeitamente conservadas. Notam-se em algumas a forma oval do cartucho, sinais do passar dos tempos sobre pressão.
É perigoso mexer ou manusear estas instaveis munições, sem ser por pessoal com formação e adequados procedimentos.
Aproximo-me apenas o suficiente para tirar umas fotos e certifico-me que não toco inadevertidamente em nenhuma delas.

Estas munições têm cerca de 75 cm de comprimento e 70 ou 80 mm de diametro na base. Das que me aproximei não consegui distinguir qualquer marca que permita identificar a que Exército pertenceram.
Após a invasão de Creta pelo Exército Alemão, a evacuação das Forças Aliadas foi feita á pressa. Em 1944, após um longo cerco efectuado pela Royal Navy o Exercito Alemão acabou por se render.
Em ambas as situações, ambos os Exercitos deverão ter tentado abandonar á pressa o seu equipamento militar para que não caisse em mãos inimigas.
Aquilo que hoje podemos ver no fundo do mar, é testemunho histórico de um dos periodos recentes mais dificeis da História Universal e principalmente de um povo que sofreu com todos estes acontecimentos violentos.


As Garoupas de Mirabello


Seria o mergulho seguinte.
O local é relativamente perto do mergulho anterior, pelo que praticamente foi sair do cais e cair na agua.
Os mergulhadores e o plano de mergulho seria praticamente o mesmo. Seguir o Stefanos, acompanhado pelo Chris e disfrutar dos mais de 25 metros de visibilidade que a agua nesse dia apresentava !!
As Garoupas são troféus muito procurados e pretendidos pelos pescadores locais. As que vão sobrevivendo são tão desconfiadas que ganhar a confiança destes animais requer muito tempo e dedicação.

O truque é levar algum pão e ir distribuindo á medida que vamos avançando.
Como são animais territoriais a disputa pelos bocados de pão termina sempre que avançamos para o território da Garoupa seguinte ou aparece um animal maior.
Os maiores exemplares encontram-se na zona mais funda. Andámos pelos 28 metros, tendo um perfil identico ao mergulho anterior, neste caso descemos até aos 18 metros, local onde a poita e o cabo estavam ancorados, aproveitámos o declive para ir descendo mais um pouco, mantivemo-nos na profundidade maxima atingida sempre dentro dos limites descompressivos e começámos a subir lentamente.

Durante os 45 minutos de imersão vi cerca de 20 Garoupas cujo tamanho iam dos 30 cm até ás maiores com pouco mais de 1 metro.
Mesmo com a estratégia de oferecermos alguns petiscos, nunca me deixaram aproximar mais que 5 a 6 metros.
Acabámos o mergulho em aguas baixas e sossegadas, de uma forma calma. O Stefanos sem mais petiscos para oferecer, o Chris com o seu saco cheio de novelos de nylon e eu, uma vez mais, convencido que vale a pena todos os segundos que passamos submersos.


Naufrágio do iate


A 25 metros de profundidade jaz á cerca de 20 anos um iate que devido a um temporal, pretendendo entrar na marina da baía para se abrigar acabou por embater violentamente na parede da falésia.
Após o embate o navio ficou encalhado numa zona que permitiu salvar todas as pessoas que seguiam a bordo e nos dias seguintes ao temporal, com o mar mais calmo, praticamente tudo o que se encontrava a bordo.

Com essas operações realizadas, praticamente apenas sobrou o casco em fibra.
Algum tempo mais tarde, foi rebocado e afundado no local onde hoje se encontra.
O barco tem cerca de 15 metros de comprimento e encontra-se em fundo de areia adornado para bombordo.
Por ser relativamente pequeno dá para percorrer com bastante calma todos os pormenores do casco. Inclusivé através de um enorme rombo no casco do lado de estibordo pode-se sem qualquer problema entrar naquilo que outrora foi o seu interior.

Somos permanentemente observados por um cardume de algumas dezenas de Lirios, com o seu porte altivo e desafiador.
Rápidos como setas descrevem circulos á nossa volta, em cardume, oferecendo os flancos brilhantes.

Passam tão perto que os podemos fitar nos olhos escuros e brilhantes.
Oiço uma vez mais o tilintar do guia Stefanos, indicando que está na altura de continuar o mergulho.

Subimos para uma especie de plano cheio de pedras de diversos tamanhos e formatos. As primeiras observações convencem-me que se trata de pedras trabalhadas pela mão humana.
Mas o que fazem ali ? Restos de uma aldeia não podem ser porque parece tratar-se de marmore, pela sua cor clara.
Marmore só pode significar uma coisa : um antigo templo ou palácio antigo.
A extensão é enorme. Seja o que for deveria ser muito grande.

Observo com mais cuidado. Ás vezes convenço-me que estou enganado, para logo de seguida mudar de opinião…Narcose a 15 metros ? Não me parece, também.
Prosseguimos o mergulho na direcção de uma pequena gruta que têm uma infiltração de agua doce. Na entrada da gruta, uma pequena Garoupa desaparece rapidamente.
Acabamos por ali o mergulho e dirigimo-nos para o barco.

Já no barco, tento obter informações sobre o amontoado de pedras que tinha visto. Não são feitas por mão humana !!
Na falésia á minha frente tenho a explicação. Ao longo dos anos a pedra de cor clara que compõe a falésia tem sofrido com a erosão desmoronando em grandes quantidades…

As coisas belas quase sempre têm explicações muito simples.