Março de 2007
Perdida no meio da imponência
da Serra do Gerês, encontra-se submersa desde a década de 70 uma das ultimas
aldeias comunitárias existentes em Portugal.
Perde-se no tempo a sua
fundação. Segundo histórias e registos, foi iniciada no ano 75 D.C. aquando da
construção das estradas da via Bracara Augusta / Asturica pelo Império Romano
que, dominando já
toda a região e como forma de
desenvolvimento Peninsular pretendia ligar as principais cidades com a capital
do Império. Um aglomerado de casas, típicas da região, com as lojas no piso térreo
e a habitação no piso superior.
Nos anos 70, integrada no
plano Hídrico e Energético Nacional, concluí-se a construção da barragem que
hoje tem o nome da aldeia: Vilarinho das Furnas.
Nessa altura viviam na aldeia
250 pessoas que abandonaram as suas casas com a subida das águas, deixando para
trás aquilo que não conseguiram transportar.
Todas ligadas á pastorícia e
agricultura, tirando da terra e do gado a sua sobrevivência, vivia-se de forma
dura num ambiente difícil, mas de uma simplicidade hoje dificilmente
compreendida.
É no meio de toda esta beleza
natural que se encontra hoje a barragem e a sua albufeira, cobrindo a água uma
área de 77 Km2 estando a aldeia totalmente submersa, dando-se apenas a conhecer
nos anos de maior seca como foi o de 2005.
A sua história, costumes e
tradições ainda hoje subsistem graças á vontade da Associação Afurna, composta
por alguns antigos moradores e descendentes, que além do museu etnográfico
feito com pedras das próprias casas da aldeia, persiste em divulgar e dar a
conhecer aquilo que as águas e o desenvolvimento taparam.
Todo o património submerso da
aldeia compõe também o primeiro museu subaquático da Europa.
Foi a forma encontrada para
preservação da memória colectiva de todos e de trazer Vilarinho das Furnas
para o contacto com as
gerações vindouras, negando a sua condição de desaparecimento.
Foi com enorme prazer e
satisfação que aceitei o convite da MergulhoMania para efectuar um mergulho na
barragem e tentar conhecer um pouco daquilo que foi a aldeia de Vilarinho.
Das vezes que visitei a
região, sempre me deslumbrou a serra no seu conjunto.
É difícil descrever o que
sinto quando, vindo da cidade, se chega ao alto da serra e se deslumbra a
albufeira da Caniçada, Rio Caldo e Duas Pontes...Fica-se simplesmente arrebatado
por toda a beleza.
A descida da encosta e o
caminho até Vilarinho é feito devagar na tentativa de aproveitar para relembrar
momentos únicos que se passaram em anteriores visitas.
Cheguei cedo e integrado no
resto do grupo á margem da albufeira, no sitio conhecido por Porto da Aldeia.
Tinha "ordens"
expressas para "chegar e equipar rapidamente". Foi o que fiz.
Na água já se encontravam os
meus dois companheiros e guias deste mergulho, o Rui Caravelas e o
Delfim Trancoso.
Combinados os procedimentos e
o plano de mergulho, foi começar a descer.
Na frente o Delfim, que
assumiu o papel de guia, eu no meio e o Rui a fechar o grupo.
Ao fim de meia duzia de metros
é obrigatório acender a lanterna. A agua torna-se escura, de tons acastanhados,
mas de um silêncio e calma imensa.
Chegámos ao fundo a cerca de
23 metros e dirigimo-nos para um carvalho conservado no fundo, ainda
de pé com os ramos abertos a
lembrarem braços a darem-nos as boas vindas.
Percebi que aquele carvalho
serve de referência para o início da visita guiada, uma espécie de guardião da
eternidade da aldeia.
Por incrível que pareça,
apesar da "densidade" e tom da agua a visibilidade no fundo e naquele
local
rondava os 4 metros.
Na primeira casa encontrada,
entrámos pela janela do 1º piso e saímos do lado contrário por uma abertura que
me pareceu estar ali porque a parede já ruiu.
Seguiu-se várias outras em
melhor ou pior estado, variando a entrada e a saída pelas portas ou pelas
janelas.
Dá para ver
ainda alguns fornos ou lareiras, folhas de arvores e telhas ainda intactas,
coisas que o Delfim me foi mostrando e que me foram aguçando a curiosidade e
interesse.
Acabámos por chegar á
"rua principal" da aldeia. Chamo-lhe assim porque me pareceu mais
larga que
as demais.
Via-se perfeitamente as lajes
que cobriam o chão, as juntas do encaixe das pedras, numa largura de pouco mais
de 2 metros e que sobe ligeiramente na direcção de uma das margens.
Neste local e até quase final
do mergulho, a visibilidade melhorou um pouco ajudada pela
profundidade menor o que
permitia que sol e luz penetrem na coluna de agua, fazendo o efeito de raios de
luz sempre maravilhoso de observar.
Nessa rua, encontrei a maior
casa que entrei, talvez o local onde se reuniam os membros da aldeia ou
algum armazém. Pareceu-me
também mais alta que as demais.
Encontra-se, como todas, sem
telhado. O acesso para dentro das ruínas foi feito por uma abertura grande que
me pareceu ser a porta do piso térreo, com um patamar do lado interior em
seguimento do patamar exterior de acesso pela escada. Outra particularidade,
comum a algumas outras casas, era a existência nas laterais das soleiras das
janelas de uns apoios que ainda hoje se encontram em casas
de aldeias serranas e cujos
donos aí colocam vasos de flores.
O tempo de fundo e o ar
escoavam-se rapidamente e apesar de ter passado quase uma hora de
imersão, recusamo-nos a
abandonar aquele local único.
Fomo-nos dirigindo para a
margem, subindo lentamente com a ajuda do declive do terreno, parando
para o patamar obrigatório.
Tal como alguém me disse depois
em conversa, apesar
da inexistência de qualquer
tipo de vida, sente-se a presença e a energia da vida que outrora existiu
naquelas casas, ruas e caminhos.
Esquecendo o frio (água a 9ºC
que nos afecta principalmente as mãos e face), a ausência de vida e a
visibilidade reduzida, é uma
experiência marcante e gratificante que me honra muito ter conhecido.
Fica-nos um sentimento de
ligação com a aldeia, com a serra e com as gentes locais.
Ficamos parte de um mundo
desconhecido da maioria das pessoas, apenas por termos descido e
compreendido uma verdade
universal : "Só amamos o que conhecemos e só conhecemos o que
vimos".
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