domingo, 22 de dezembro de 2013

"Thermopylae", Senhor dos Ventos.


http://www.planetadagua.com/pdf/newsletter_planetadagua13.pdf

Janeiro 2009


 
 
   Escrever este artigo sobre o "Pedro Nunes", foi desde muito cedo um desafio ambicioso que resolvi colocar a mim próprio. Foi tambem a melhor forma de conhecer a sua história e de aumentar o fascínio que desde os primeiros mergulhos no local, este veleiro me suscitou. 
   Este barco, ao contrário de muitos outros, está bem documentado, tem alguns trabalhos e artigos publicados de diversos autores e uma enorme legião de fãs espalhada por todo o mundo. De Portugal, à Austrália, passando pelo Canadá e principalmente no local onde foi construído, Aberdeen, Escócia, os arquivos e informações sobre o veleiro são muitos.
   Poder-se-ia pensar que devido a esse facto as informações estão acessiveis, compiladas e agora bastaria ler e resumir toda essa informação.
    A verdade é que não é assim tão fácil !
   Quando se decide escrever, no caso concreto sobre este veleiro, onde tantos já gastaram horas do seu tempo em inumeras investigações, horas de dedicação e inspiração, o nosso esforço tem que ser no sentido de dignificar esses trabalhos, usar a inestimavel informação que contêm, referenciá-la, descobrir mais alguns pormenores entre as várias fontes e tentar elaborar um texto que enriqueça o conhecimento que hoje temos sobre uma época e um veleiro muito particular .
   Tornou-se um trabalho envolvente durante toda a pesquisa. Para cada certeza que tinha, surgiam mais e mais questões, algumas delas ainda sem resposta, outras confirmavam a fabulosa história deste veleiro.
   No contacto com alguns dos autores desses trabalhos, consegui perceber a razão do fascínio que, ao longo dos tempos, acompanhou este veleiro conseguindo cativar o interesse de tantas gerações.
   Cerca de 100 anos após o seu afundamento, a sua história coloca-o numa categoria que poucos conseguirão alcançar.
   O apoio e colaboração recebido para a elaboração deste artigo, o vasto conhecimento sobre o assunto de várias pessoas, foi de uma ajuda imprescindivel e sem elas não seria possivel concluir o que escrevi.
   Longe de estar completo, tentei reunir neste texto o máximo de informação, tentando com isso despertar o interesse sobre algo que pertence a todos nós e que devemos conhecer : a nossa História e o nosso Património submerso.
   Ficará ao critério de quem ler estas linhas julgar se o objectivo foi alcançado…


 De "Thermopylae" a "Pedro Nunes".
 
 "Pedro Nunes" não foi o seu nome "de baptismo". O Clipper (1) é lançado á agua em 19 de Agosto, numa quarta feira do ano de 1868 com o nome de "Thermopylae".
   Desenhado por Bernard Waymouth, foi construído nos estaleiros de Walter Hood & Co em Aberdeen na Escócia, para a empresa Aberdeen White Star Line, com o objectivo de efectuar viagens rápidas trazendo para os portos Britanicos as mercadorias necessárias a uma sociedade em grande expansão.
   Naqueles tempos, os barcos que atracavam primeiro, tinham como recompensa o melhor preço para a venda da sua preciosa mercadoria, além do enorme prestígio que barcos, oficiais e marinheiros orgulhosamente ostentavam entre os seus, aliado ao recebimento de um prémio extra por tal feito.
   Havia também em disputa, a competição por exibir no alto dos seus mastros o "Golden Cockerel" (3), atribuição dada ao barco mais rápido da chamada Rota do Chá, que começava na partida dos portos chineses, passando a Sul do Continente Africano pelo Cabo da Boa Esperança e terminando à chegada nos portos Britanicos.
   Segundo descrições da epoca, o "Thermopylae" era um barco lindíssimo, esbelto, proporcional e de linhas extremamente hidrodinâmicas, com o seu casco de madeira de teca pintado a verde, três mastros brancos, com seis velas por mastro, madeira trabalhada com dourados e uma figura de proa em branco de Leónidas, o Rei de Esparta.
   Possuía tambem a bordo dois canhões que serviam como defesa aos ataques de piratas que actuavam nas rotas seguidas pelos veleiros, principalmente no Mar da China, esperando a sua oportunidade de atacar tão cobiçada mercadoria e embarcações.
   A sua implícita velocidade foi resultado não só do tipo de construção utilizada, conciliando estrutura de ferro com cobertura de madeira forrada a placas de cobre na obra viva do navio, como também devido à aplicação de um desenho inovador e anteriormente testado para um novo tipo de proa com o nome de "Aberdeen Bow".
   Este tipo de proa permitia tambem dar estrutura à utilização de enormes mastros e por consequência grandes areas de vela característica também deste tipo de veleiros. O seu casco, menos profundo, mais esguio e comprido, nasceu pela necessidade de reduzir os impostos aplicados à carga transportada e que eram taxados também pela medida da parte submersa do casco.
   Em consequência, os barcos construídos segundo este desenho tornavam-se extremamente rápidos e de uma navegabilidade extraordinária. 
   Com tais características, o "Thermopylae" não desiludiu na sua primeira viagem. Sob o comando do Capitão Robert Kemball fez a viagem de Londres a Melbourne, Austrália, em apenas 60 dias seguindo-se novas escalas para Xangai e Foochow onde iria carregar chá, batendo consecutivamente também os recordes estabelecidos para cada etapa da viagem. O seu feito foi bastante notíciado nos jornais da época com grandes e rasgados elogios. Este recorde, ainda hoje, nunca foi batido por veleiro algum !!
   No ano seguinte, em 1869 foi construído e lançado à água o seu arqui-rival "Cutty Sark" com objectivo de concorrer com o "Thermopylae" na mesma Rota do Chá. Nascia assim uma rivalidade e dois mitos, sendo que nas várias corridas realizadas entre os dois magníficos veleiros o "Thermopylae" sempre conseguiu superar o seu adversário, estabelecendo ainda o recorde de maior distancia percorrida num só dia : 340 milhas náuticas.
   De realçar que apenas uma das viagens terá sido feita em simultâneo, com partida dos dois barcos do mesmo porto ao mesmo tempo. As restantes, feitas em condições de dias e marés diferentes, tiveram como referência o dia de partida e de chegada de cada um dos veleiros. 
   Porém, a Rota do Chá rápidamente deixaria de ser rentável para estes barcos.
   Com o aperfeiçoamento e desenvolvimento dos barcos a vapor que se tornavam cada vez mais rápidos e fiáveis e sobretudo com a abertura do Canal do Suez em 1869, diminuía em cerca de 12.000 milhas a viagem realizada, tornando-a assim mais rápida e segura para os navios a vapor e ditando o fim da utilização de veleiros nesta rota.
   Mesmo assim existem relatos de encontros entre o "Thermopylae" e vapores da altura. Um desses relatos, afirma que o veleiro acompanhou durante cerca de três dias, a uma velocidade de 16 nós o vapor "Empress of India".
   Com a sua tripulação de 40 homens, uma velocidade máxima de mais de 18 nós e quase duas decadas de experiência na Rota do Chá, as suas viagens seguintes ( entre 1880 e 1890 ) foram no transporte de lã entre a Austrália e Inglaterra.
   Mas a Era do Vapor tinha vindo para ficar, conquistando todas as rotas comerciais outrora feitas pelos veleiros. Sem grandes soluções à vista, foi vendido no ano de 1890 para a Mount Royal Milling & Manufacturing Co. de Victoria, British Columbia ( Canadá ) sofrendo aí as primeiras alterações ao seu aspecto original.
   Foram-lhe reduzidos a altura dos mastros, o numero de tripulantes passa para cerca de metade, o casco é pintado de branco e passa a ser uma Barca (2).
   As suas viagens são agora efectuadas no Pacífico Norte, levando carvão e madeira de Victoria e voltando com arroz da China.
   Nesta rota continua durante mais cinco anos, até 1895, continuando a desafiar e a afirmar-se com a sua incrível velocidade. Já perto do fim das suas grandes viagens, faz a ligação Hong-Kong - Victoria em 23 dias.
   Mesmo com todas as suas reconhecidas capacidades, é vendido no final desse ano, por não ser um transporte rentável.
   Em Maio de 1896 é adquirido pela Marinha Real Portuguesa, fazendo a sua viagem rumo a Lisboa no dia 16 de Maio.
   Durante a viagem é notado o facto de facilmente atingir velocidades de 12 e 13 nós, prova que as suas capacidades de navegação rápida ainda permaneciam quase inalteradas.
   Os ultimos anos de viagens em aguas dificeis e geladas e a sua idade faziam-se notar nas condições de toda a estrutura.
   A recuperação e manutenção do veleiro obrigaria na altura a grandes e urgentes obras.
   A 20 de Agosto de 1896 é oficialmente incorporado na Marinha Real Portuguesa como navio-escola de marinharia, sob o nome de "Pedro Nunes".


   "Pedro Nunes". De projecto para navio-escola a depósito de carvão no Tejo.


   Já com o nome que o iria acompanhar até final dos seus dias de mar, o "Pedro Nunes" nunca chegou a sofrer as obras de recuperação e de modificação inerentes ás funções a que se destinava.
   Por falta de verbas, a Marinha Real Portuguesa nunca avançou com esse projecto.
   No entanto, sob o comando do ultimo Comandante, CTEN João Augusto de Fontes Pereira de Mello permaneceu até fim de Maio de 1897 ao serviço da Marinha e de Portugal, ano em que foi descomissionado.
   O destino daquele que em tempos tinha sido considerado como o melhor veleiro de todos os tempos, batendo-se a sua tripulação orgulhosamente contra veleiros e vapores, era agora de uma forma irónica colocado ao serviço de quem lhe tinha roubado a glória. Tinha-se tornado um depósito de carvão fundeado no Tejo para abastecimento dos navios vapor de então.
   Sem orgulho e sem prestígio, a humilhação a que foi sujeito ainda não tinha terminado. Depois de retirados todos os mastros e de passar 10 anos nas suas funções de depósito de carvão flutuante, o "Pedro Nunes" degradava-se rápidamente.
   Em 22 de Julho de 1895 foi também adquirido para a empresa Joaquim Antunes Ferreira & Cia o seu eterno rival de outrora, o Cutty Sark, cujo nome foi alterado para "Ferreira" fazendo a partir daí as rotas comerciais para as Ilhas e ex-colónias Portuguesas em Africa.
   Pertenciam agora a Portugal, com missões muito diferentes, aqueles que tinham sido os dois melhores veleiros do mundo cujas viagens e rivalidades tinham encantado as histórias de aventuras de finais do seculo XIX.
   A sua fama e reconhecimento foram esquecidas e os dois barcos teriam também destinos muito diferentes.
   O "Cutty Sark" seria comprado por Wilfred Dowman em 1922, que reconhecendo o navio resolveu adquiri-lo e recuperá-lo.
   Após a sua morte, foi doado pela viúva Dowman ao Thames Nautical Training College que o tornou naquilo que ainda hoje se pode encontrar na doca de Greenhithe, no rio Tamisa : um extraordinário museu que recorda a época de ouro dos veleiros. Uma das lanternas existentes no salão do actual museu "Cutty Sark" pertenceu ao "Thermopylae" e foi oferecida por um engenheiro naval após aquisição em Lisboa durante os trabalhos de desmantelamento sofridos por este ultimo.
   Quanto ao "Pedro Nunes", o seu destino final foi traçado no dia 13 de Outubro de 1907, quando no decorrer de um festival náutico na Baía de Cascais o torpedeiro Nº 3 da Marinha Real Portuguesa, disparou 3 torpedos, acertando 2 em cheio no navio. O primeiro acertou junto á popa e o segundo na proa, afundando o veleiro rápidamente, envolto em chamas.
   Os jornais da altura que noticiaram o afundamento referiram-se ao veleiro como sendo um batelão, nunca sequer mencionando o seu ilustre passado ou as suas origens.
   Após esse dia, o "melhor veleiro do mundo" permaneceria no fundo do mar a cerca de 30 metros de profundidade em local que foi sendo esquecido pelo passar dos anos.
    

   Figura de proa : "Leónidas" vs. "Dama de Rosa"


   Em conjunto com o sino de bordo, a roda de leme e a bitácula, a figura de proa é seguramente aquela que define a "alma" de um navio.
   Geralmente trata-se de figuras mitológicas, dedicadas ao mar ou que se relacionem com o nome do navio.  No caso do "Pedro Nunes", a imagem original era a figura de Leónidas, Rei de Esparta que combateu os Persas no desfiladeiro de Thermopylae no ano de 836 a.c. e que segundo a lenda, junto com trezentos bravos soldados atrasou o avanço inimigo, dando tempo para a população de Atenas se organizar e fugir.
   No projecto desenvolvido pela Marinha Real Portuguesa de transformar o "Pedro Nunes" em navio-escola, foram previstas grandes alterações no veleiro, não só a nivel da recuperação do casco e estrutura por anos de utilização em condições extremas, mas tambem e principalmente ao nivel do aparelho de velas como forma de o adaptar à sua nova função.
   Desde os tempos das suas viagens no transporte de lã que as primeiras modificações tinham sido feitas, estando o navio equipado nessa altura como uma Barca.
   Em Victoria, Canadá são feitas mais modificações, chegando a Portugal dessa forma.
   As principais modificações caso o projecto de navio escola tivesse avançado, seriam visíveis nos mastros, que ficariam equipados com quatro vergas por mastro ( o Thermopylae estava equipado com seis e cinco na mezena ) reduzindo assim consideravelmente a sua area de pano de vela.
   A localização interior da mesa das enxárcias e caranguejas em todos os mastros seriam outras das alterações a aplicar ao aparelho do veleiro.
   Fazia parte também dos planos da Marinha Real Portuguesa a substituição da figura de proa pela "Dama de Rosa" que nunca chegou a ser efectuada, tendo, como já referido, a Marinha Real abandonado o projecto de tornar o veleiro em navio escola.
A "Dama de Rosa" é uma imagem que aparece representada no modelo à escala do veleiro "Pedro Nunes" em exposição no Museu do Mar de Cascais, da autoria de Carlos Montalvão.
   Até hoje, que se saiba ou haja registos, nunca foram encontrado vestígios de nenhum dos artefactos originais.
   Os maus tratos e abandono sofridos pelo veleiro nos seus ultimos anos no rio Tejo, dificílmente fizeram com que tão valiosos elementos tenham conseguido chegar ao dia do seu afundamento e hoje permaneçam junto com os restos no fundo da Baía de Cascais. No entanto, nas fotos existentes do momento do afundamento, sem grandes confirmações devido á qualidade baixa das fotos e aos anos entretanto passados, a figura de proa de "Leónidas" é vagamente reconhecida.
   Poderá ter sido recuperada depois e/ou de forma ilegal ? Até hoje, a dúvida permanece.


   A descoberta do "Pedro Nunes"

   Através dos registos do ROV PHATOM S2 do Instituto Hidrográfico, a uma profundidade de 30 metros é descoberto um local de um navio afundado, ficando conhecido como “Navio Velho”.
   No mesmo ano, em 2003, um grupo de mergulhadores em colaboração com o CNANS prepara uma imersão num local situado na Baía de Cascais, como forma de verificar e validar a descoberta.
   O local situa-se a cerca de duas milhas a sul da marina de Cascais.
   A preparação do mergulho e de recolha de toda a informação começou muito tempo antes.
   Em Abril é feita uma primeira tentativa de identificar o significado do eco mostrado pela sonda.
   Com más condições de mar, visibilidade inferior a 5 metros e 20 minutos de busca nada é encontrado.
   Novas tentativas ficam adiadas até 13 Junho. Nesse dia, o grupo constituído por quatro mergulhadores, Carlos Martins, Augusto Salgado, Leonel Silva e Pedro Granja mergulhando a uma profundidade de 30 metros procedem com exito à identificação do destroço, que pelas suas caracteristicas ( rombo no casco a bombordo, estruturas metálicas, chapas de cobre e restos de carvão) significa que o "Pedro Nunes" foi descoberto.
   Com a melhoria significativa das condições de visibilidade, o grupo voltou ao local. Com base nos registos video e fotográfico obtidos e pela investigação documental, confirmam o local como sendo o destroço do veleiro que pertenceu à Marinha Real Portuguesa.
   Estava assim descoberto o local onde jaz há mais de 100 anos, o veleiro que após inumeras viagens por todo o mundo, tinha terminado a sua carreira em Portugal.

   "Aos 30 metros de profundidade onde jazem os restos do navio, o que logo surge aos olhos dos mergulhadores são as longas cavernas de ferro, como costelas de um ser, agora já sem o costado que as cobria que, por ser de madeira, já desapareceu, pelo menos nas zonas não enterradas na areia. Surgem, também, diversas outras formas metalicas, por vezes com formatos indecifraveis, algumas chapas de cobre (utilizada para forrar o casco) e alguns (poucos) vesti­gios de carvão, que permitem confirmar a identidade do naufrágio. Entre os destroços encontram-se inumeros aparelhos de pesca, assim como muitos cabos e algumas redes, testemunho das tentativas dos pescadores para capturarem a diversificada vida marinha que habita este verdadeiro oásis no meio de uma imensa planí­cie de areia.
   Antes de terminarem os cerca 20 minutos permitidos aos mergulhadores devido á profundidade, ainda há tempo de descobrir, meio enterradas na areia, duas peças de sanitários, vesti­gio da outrora utilização humana.
Comandante Augusto Salgado "

   Hoje em dia, talvez dificil de entender é a decisão tomada para o afundamento do veleiro. Para um dos Reis de Portugal, que dedicou ao mar e ao seu conhecimento tanto da sua vida, excelente marinheiro e conhecedor da arte de velejar, é talvez um dos maiores paradoxos que a história deste veleiro encerra.
   Para tentar entender a razão temos de perceber que os anos que passou no Tejo, como pontão de carvão, após anos de navegação em condições severas, tinham degradado de forma quase irrecuperavel o veleiro de outrora.
   A maior honra dada a qualquer navio é que termine os seus dias no mar, seja em batalha ou afundado com todas as honras militares.
   No caso do "Pedro Nunes" há quem defenda a teoria de que o seu afundamento foi a forma encontrada de dar ao "Melhor Veleiro do Mundo" um final digno e segundo a antiga tradição Vicking, envolto em chamas na bela Baía de Cascais.
   Não nos podemos esquecer que estávamos no ano de 1907. O sentido que hoje temos de conservação e de valor é seguramente diferente do de outrora.
   Talvez dificil de compreender quando hoje em dia o "Cutty Sark" é visitado por milhões de pessoas, servindo para criar um fundo monetário que lhe permite sustentar a sua onerosa conservação.
   Neste momento o Museu encontra-se encerrado para as urgentes e complicadas obras de manutenção e recuperação, tanto do veleiro como de modernização dos edificios de apoio, estando prevista a re-abertura ao público em Março de 2010.
   É, ainda hoje, um dos mais conhecidos barcos de todos os tempos.
   Quanto ao "Pedro Nunes" continuará no fundo da baía de Cascais, à espera do seu merecido reconhecimento.
   O local tem sido alvo de diversos estudos e projectos arqueológicos, encontrando-se interdito ao mergulho salvo algumas autorizações.

 
   100 anos depois do seu desaparecimento

    Com todo o seu historial, foi sempre motivo de interesse e de fascínio por todos os países onde as suas viagens o levaram.
   Na Escócia, o Museu Maritimo de Aberdeen, local onde se encontram depositados parte dos documentos da sua história, realizou-se em 2007 uma exposição de homenagem, como forma de evocar os cem anos do seu afundamento.
   Ainda durante a sua época de ouro, o nome "Thermopylae" serviu em 1891 para baptizar um novo navio vapor que, acabou por naufragar em 12 de Setembro de 1899, sem nunca conseguir afirmar-se e "honrar" o nome que ostentava. Mas as pessoas não tinham esquecido o antigo veleiro. De uma forma irónica chamaram ao infortunado vapor "our latest ship Thermopylae" (o nosso ultimo barco Thermopylae ) referindo-se ás lembranças dos feitos que todos tinham do veleiro em comparação com o "novo Thermopylae".
   Na Austrália, a State Library of South Australia possuí uma excelente colecção de fotos do veleiro, principalmente dos anos da decada de 1880 que corresponderam ao período das suas viagens de transporte de lã entre Austrália e Inglaterra.
   No Canadá em 1932, na cidade de Victoria, foi formado um Clube de "velhos Lobos do Mar" que além de manterem viva a memória do veleiro, efectuam variadas actividades alusivas ao mar e às suas experiencias enquanto marinheiros, tendo como sede o museu marítimo da cidade, considerado um dos melhores museus marítimos do mundo.
   Como curiosidade, alguns dos fundadores do clube serviram ainda no "Thermopylae". Numa época em que estes clubes eram reservados só a homens, hoje em dia contam com a participação também de seis mulheres e continuam a reunir-se todas as segundas quartas-feiras de cada mês. Construíram ainda uma bela réplica do veleiro com três metros de comprimento para comemoração do centenário do seu lançamento à agua.
   Em 1968 é publicado em Vancouver o livro que até hoje foi a obra mais completa alguma vez publicada sobre o Clipper "Thermopylae" servindo de referência obrigatória a todos os trabalhos posteriores.
   O livro fala de todos os aspectos relacionados com o veleiro, focando pomenores da sua construção, detalhes da sua história, reprodução de documentos e mapas, passando por todos os períodos da sua fabulosa história até ao afundamento em 1907.
"Thermopylae, and the Age of Clippers " é o nome do livro e o seu autor John Crosse, dedicou anos da sua vida na investigação e elaboração de variadas obras sobre barcos e em especial do referido livro.
   Hoje em dia, muito do seu legado encontra-se depositado na University of British Columbia.
Nascido na Nova Zelandia em 1925, engenheiro de formação, emigrou em 1959 para o Canadá.
   Bem cedo a sua paixão pela história marítima local levou-o em 1968 a escrever e publicar o livro sobre a história do veleiro. Seguiram-se muitos mais artigos e investigações de inumeros barcos.
   Faleceu em 31 de Outubro de 2006, com 76 anos, vitima de ataque cardíaco. Trabalhava na sua ultima investigação e pesquisa. 
   Ainda no Canadá em 1983, a cidade de Victoria para comemorar a sua ligação ao veleiro procede à cunhagem e lançamento de uma moeda de um dólar. Realiza-se ainda uma regata com o nome original do veleiro, como forma de preservação do seu passado e da sua memória naquelas paragens.
   Em Portugal, local do seu afundamento existe uma grande admiração e esforços por reabilitar, dar a conhecer e divulgar a história do veleiro.
   Já foram publicados inumeros artigos na imprensa escrita, desde jornais a revistas mais especializadas. É assunto recorrente em várias conversas e opiniões, de especialistas a curiosos.
   Foram feitos estudos arqueológicos no local, estando previsto a criação de um itenerário subaquático. Houve em tempos também a ideia de efectuar um documentário televisivo sobre toda a sua história.
   Mas para breve, com data prevista para 2009, estando já na fase final de projecto, a publicação de um livro promovido pelo Município de Cascais e desenvolvido pelo Museu do Mar será uma realidade.
   O Museu do Mar de Cascais é local por excelência para que também em Portugal a evocação da fabulosa história do veleiro seja lembrada ás gerações actuais e futuras.
   Este local, coloca á disposição de todos os interessados variadas informações, exposição de imagens e uma réplica do projecto que nunca chegou a ser concretizado, de transformar em navio escola aquele que foi considerado o Melhor Veleiro do Mundo, da época de ouro da navegação à vela. 


(1) Clipper : Navio á vela, surgiram na segunda metade do seculo XIX nos EUA. Caracterizam-se por serem navios estreitos e leves, com uma grande area de vela que lhes permite atingir grandes velocidades. 
(2) Barca : Navio á vela de três ou mais mastros equipado com velas redondas.
(3) ”Golden Cockerel” : Estatueta de um galo dourado com uma fita azul, atribuído como troféu, colocado no mastro mais alto do barco que efectuava a travessia da Rota do Chá mais rápidamente


Algumas características do veleiro “Thermopylae” :

Numero de Registo : 170, Lloyd’s, Port of London em 1868
Classificação : 17 A 1
Construção : navio compósito (cavername em ferro, forrado a madeira)
Comprimento : 88,4 metros
Largura : 11,7 metros
Calado : 6,4 metros
Altura máxima: 52 metros
Peso neto : 948 tons.
Peso bruto : 1300 tons.

Vilarinho das Furnas



Março de 2007


Perdida no meio da imponência da Serra do Gerês, encontra-se submersa desde a década de 70 uma das ultimas aldeias comunitárias existentes em Portugal.
Perde-se no tempo a sua fundação. Segundo histórias e registos, foi iniciada no ano 75 D.C. aquando da construção das estradas da via Bracara Augusta / Asturica pelo Império Romano que, dominando já
toda a região e como forma de desenvolvimento Peninsular pretendia ligar as principais cidades com a capital do Império. Um aglomerado de casas, típicas da região, com as lojas no piso térreo e a habitação no piso superior.
Nos anos 70, integrada no plano Hídrico e Energético Nacional, concluí-se a construção da barragem que hoje tem o nome da aldeia: Vilarinho das Furnas.

Nessa altura viviam na aldeia 250 pessoas que abandonaram as suas casas com a subida das águas, deixando para trás aquilo que não conseguiram transportar.
Todas ligadas á pastorícia e agricultura, tirando da terra e do gado a sua sobrevivência, vivia-se de forma dura num ambiente difícil, mas de uma simplicidade hoje dificilmente compreendida.
É no meio de toda esta beleza natural que se encontra hoje a barragem e a sua albufeira, cobrindo a água uma área de 77 Km2 estando a aldeia totalmente submersa, dando-se apenas a conhecer nos anos de maior seca como foi o de 2005.
A sua história, costumes e tradições ainda hoje subsistem graças á vontade da Associação Afurna, composta por alguns antigos moradores e descendentes, que além do museu etnográfico feito com pedras das próprias casas da aldeia, persiste em divulgar e dar a conhecer aquilo que as águas e o desenvolvimento taparam.
Todo o património submerso da aldeia compõe também o primeiro museu subaquático da Europa.
Foi a forma encontrada para preservação da memória colectiva de todos e de trazer Vilarinho das Furnas
para o contacto com as gerações vindouras, negando a sua condição de desaparecimento.

Foi com enorme prazer e satisfação que aceitei o convite da MergulhoMania para efectuar um mergulho na barragem e tentar conhecer um pouco daquilo que foi a aldeia de Vilarinho.
Das vezes que visitei a região, sempre me deslumbrou a serra no seu conjunto.
É difícil descrever o que sinto quando, vindo da cidade, se chega ao alto da serra e se deslumbra a albufeira da Caniçada, Rio Caldo e Duas Pontes...Fica-se simplesmente arrebatado por toda a beleza.

A descida da encosta e o caminho até Vilarinho é feito devagar na tentativa de aproveitar para relembrar momentos únicos que se passaram em anteriores visitas.
Cheguei cedo e integrado no resto do grupo á margem da albufeira, no sitio conhecido por Porto da Aldeia.
Tinha "ordens" expressas para "chegar e equipar rapidamente". Foi o que fiz.
Na água já se encontravam os meus dois companheiros e guias deste mergulho, o Rui Caravelas e o
Delfim Trancoso.
Combinados os procedimentos e o plano de mergulho, foi começar a descer.
Na frente o Delfim, que assumiu o papel de guia, eu no meio e o Rui a fechar o grupo.
Ao fim de meia duzia de metros é obrigatório acender a lanterna. A agua torna-se escura, de tons acastanhados, mas de um silêncio e calma imensa.
Chegámos ao fundo a cerca de 23 metros e dirigimo-nos para um carvalho conservado no fundo, ainda
de pé com os ramos abertos a lembrarem braços a darem-nos as boas vindas.
Percebi que aquele carvalho serve de referência para o início da visita guiada, uma espécie de guardião da eternidade da aldeia.
Por incrível que pareça, apesar da "densidade" e tom da agua a visibilidade no fundo e naquele local
rondava os 4 metros.

Na primeira casa encontrada, entrámos pela janela do 1º piso e saímos do lado contrário por uma abertura que me pareceu estar ali porque a parede já ruiu.
Seguiu-se várias outras em melhor ou pior estado, variando a entrada e a saída pelas portas ou pelas
janelas.
Dá para ver ainda alguns fornos ou lareiras, folhas de arvores e telhas ainda intactas, coisas que o Delfim me foi mostrando e que me foram aguçando a curiosidade e interesse.
Acabámos por chegar á "rua principal" da aldeia. Chamo-lhe assim porque me pareceu mais larga que
as demais.
Via-se perfeitamente as lajes que cobriam o chão, as juntas do encaixe das pedras, numa largura de pouco mais de 2 metros e que sobe ligeiramente na direcção de uma das margens.
Neste local e até quase final do mergulho, a visibilidade melhorou um pouco ajudada pela
profundidade menor o que permitia que sol e luz penetrem na coluna de agua, fazendo o efeito de raios de luz sempre maravilhoso de observar.
Nessa rua, encontrei a maior casa que entrei, talvez o local onde se reuniam os membros da aldeia ou
algum armazém. Pareceu-me também mais alta que as demais.

Encontra-se, como todas, sem telhado. O acesso para dentro das ruínas foi feito por uma abertura grande que me pareceu ser a porta do piso térreo, com um patamar do lado interior em seguimento do patamar exterior de acesso pela escada. Outra particularidade, comum a algumas outras casas, era a existência nas laterais das soleiras das janelas de uns apoios que ainda hoje se encontram em casas
de aldeias serranas e cujos donos aí colocam vasos de flores.

O tempo de fundo e o ar escoavam-se rapidamente e apesar de ter passado quase uma hora de
imersão, recusamo-nos a abandonar aquele local único.
Fomo-nos dirigindo para a margem, subindo lentamente com a ajuda do declive do terreno, parando
para o patamar obrigatório.
Tal como alguém me disse depois em conversa, apesar
da inexistência de qualquer tipo de vida, sente-se a presença e a energia da vida que outrora existiu naquelas casas, ruas e caminhos.
Esquecendo o frio (água a 9ºC que nos afecta principalmente as mãos e face), a ausência de vida e a
visibilidade reduzida, é uma experiência marcante e gratificante que me honra muito ter conhecido.
Fica-nos um sentimento de ligação com a aldeia, com a serra e com as gentes locais.
Ficamos parte de um mundo desconhecido da maioria das pessoas, apenas por termos descido e
compreendido uma verdade universal : "Só amamos o que conhecemos e só conhecemos o que
vimos".