quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Artigo publicado na Planeta d'agua de Novembro de 2007

http://www.planetadagua.com/pdf/newsletter_planetadagua06.pdf




R.M.S. Hildebrand 3,
Faz 50 anos que o paquete encalhou em frente a Oitavos, Cascais.

Manhã de 25 de Setembro de 1957.
Após três dias de viagem o navio aproxima-se do Cabo da Roca para percorrer as ultimas milhas que o separam do Porto de Lisboa.
A escala serve para desembarcar 17 passageiros e alguma carga. Depois, está previsto atravessar o Atlântico em direcção a Manaus, Brasil.
Um nevoeiro cerrado cobre toda a zona da grande Lisboa. O mar encontra-se práticamente parado, sem vento e sem ondulação. Demasiado parado e sossegado para um local por demais conhecido de todos os que normalmente se acercam do Cabo e da entrada do Tejo.

"Está um barco em dificuldades aqui, mesmo em frente ao Restaurante !!". O alarme partiu do Restaurante Monte Mar, que ainda hoje existe no mesmo local.
Um par de horas depois, já a noticia do acidente tinha corrido desde Peniche a Lisboa, disponibilizando os Bombeiros de Cascais e o Instituto de Socorros a Naufragos os meios de socorro necessários para a evacuação de passageiros e tripulação do navio.
Foi o principio do fim do paquete Inglês que fazia desde 1951 a ligação regular entre Liverpool - Lisboa - Manaus.
 O Hildebrand seria mais um barco a contar para o engrossar da lista de acidentes marítimos ocorridos no local. Este, felizmente, sem vitimas a lamentar. 

Toda a viagem tinha decorrido sem grandes problemas até perto das Berlengas na madrugada desse dia.
O comandante Thomas Edward Wiliams e a sua tripulação receberam uma comunicação quando ainda se encontravam ao largo de Leixões para alterarem a rota e passarem por dentro do Arquipelago das Berlengas.
A cerca de 2 milhas do farol das Berlengas, ás 07h00 encontram um nevoeiro cerrado e denso que os acompanharia até ao fatídico local do acidente, cerca de 3 horas mais tarde.
O navio estava minimamente equipado para responder a este tipo de condições de navegação.
Possuia uma eco-sonda Marconi Seagraph 840 bem como dois leitores de profundidade para 100 braças e quatro para 25 braças.
Para além deste equipamento possuía tambem uma sonda Kelvite Mark IV conectada directamente à ponte.
Era um navio relativamente novo, bem construído e já com provas dadas em navegação. Todos os procedimentos de segurança e de navegação foram executados desde a partida em Liverpool, sendo corrigidos os desvios nas bússolas ao longo da viagem.
Após o encontro com o banco de nevoeiro, o comandante é chamado à ponte para assumir o comando da navegação do navio.
Na ponte, são recebidos continuamente relatórios das leituras dos aparelhos e dos farois localizados ao longo da costa Portuguesa e perto das 09h20 captam pela primeira vez o som dos rádio-farol do Cabo Carvoeiro e do Cabo Espichel localizando a sua posição no mapa.
A estação rádio-farol do Cabo da Roca, apesar das várias tentativas para a sua captação não foi identificada. A investigação efectuada posteriormente determinou que esta estação não estava em funcionamento no período de tempo em questão.
Essa informação é transmitida ao comandante Thomas E. Williams que altera a rota de navegação.
Vinte minutos depois, cerca das 09h40 após nova localização através da emissão do radio-farol do Cabo Espichel e através da carta de navegação é detectada uma diferença entre a posição que o comandante julga ter e a que é emitida.
Nesse intervalo de tempo de 20 minutos, á velocidade de 15 nós a que se desloca o navio, a diferença é de 6 milhas.
Alguns minutos mais tarde, após ouvirem o sinal de nevoeiro vindo do farol, é dada ordem de redução de velocidade, passando esta para 11 nós.
Não é feita nenhuma tentativa de localização na carta de navegação da posição do navio, usando agora como referência o sinal ouvido.
A partir deste momento, tudo se complica nas decisões a tomar e qual o rumo certo, fazendo o comandante várias alterações na rota, direcção e velocidade do navio.
O destino do Hildebrand está traçado.
Comandante e tripulação julgam estar na posição de entrada da baía de Cascais e viram para terra onde esperam vir a encontrar o barco piloto.
Encontram-se a cerca de três milhas do local suposto e a uma milha a Sul do Cabo Raso, em Cascais.
Ás 10h12 ( ou 10h14, nunca se conseguiu determinar com certeza ) a uma velocidade de nove nós, o Hildebrand arroja e encalha mesmo em frente ao Forte de Oitavos.

Os passageiros são evacuados para o salva-vidas dos Bombeiros de Paço D'Arcos, ajudados pela traineira Olho Marinho e outras pequenas embarcações.
As operações de resgate decorrem sem incidentes, contribuindo para isso as boas condições de mar.
Nesse mesmo dia chegam de Lisboa os rebocadores Herakles e Em. Z. Svitzer que tentam em vão salvar o navio.
No dia 9 de Outubro, as condições de mar alteram-se significativamente, mas os trabalhos de salvar o máximo de carga continuam até 28 de Outubro, data em que é declarado o Hildebrand como "Perda Total para a Navegação".
O mau tempo e as duras condições de mar provocam elevados estragos no navio.
Em pouco tempo, a força do mar parte o navio pelo meio e espalha destroços por toda a área.
Quando em 1962 são autorizados e efectuados os trabalhos de desmantelagem e recolha, já muito pouco o mar tinha deixado inteiro ou no mesmo local.

No ano de 1958, o Relatório Formal da Investigação, presidido pelo juiz J.Roland Adams declara como causa do acidente "Erro de navegação" atribuíndo total responsabilidade ao seu Comandante, Thomas Edward Williams, por se verificar incapaz na avaliação e localização do navio.
O tribunal declara ainda que o Comandante do Hildebrand ficará suspenso da actividade de comando por um periodo de 12 meses a contar da data do acidente.

No entanto, nessa sessão do tribunal decorrida no início de Fevereiro de 1958, juiz e conselheiros deixam uma observação pertinente.
Apesar dos erros de navegação, de localização e de comando verificados, o navio Hildebrand não possuía radar.
Foi apurado também pela investigação que não estava nos planos da empresa que possuía o navio equipá-lo com este sistema de navegação. 
Este sistema de radar, instalado e correctamente utilizado, poderia ter evitado que tal acidente ocorresse há apenas 50 anos.


O “Luísa”
Foi um batelão de 50 toneladas que afundou no mesmo local do “Hildebrand” a 17 de Junho de 1962.
Este batelão trabalhava em conjunto com mais dois barcos, o “España” e o “Puente del Burgo” no desmantelamento, recolha e transporte dos destroços do “Hildebrand” ao serviço de uma empresa de mergulhadores profissionais.
Na altura do seu afundamento tinha 34 toneladas a bordo e 5 pessoas.
Á parte os danos materiais, com a perda do batelão e da sua carga, todos os cinco tripulantes conseguiram escapar ilesos.


Os estaleiros da Cammell Laird em Birkenhead
Foi um dos mais importantes construtores navais do sec. XIX e XX.
Deveu-se á junção entre duas empresas: a Laird , Son & Co de Birkenhead e a Johnson Cammell & Co de Sheffield.
O seu fundador, William Laird, iniciou os trabalhos em 1824 tendo-se junto o seu filho quatro anos depois, tornando-se uma empresa em rápida expansão devido ás técnicas inovadoras na construção de navios e das suas propulsões.
A empresa de Charles Cammell, Henry e Thomas Johnson, a Johnson Cammell & Co, produzia toda a espécie de produtos em ferro desde rodas a rails para caminho-de-ferro.
A junção das duas empresas originou a Cammell Laird que entre os anos de 1829 a 1947 construíram mais de 1100 navios de todos os tipos.
A época pós 2ª Guerra Mundial foi muito atribulada para a empresa.
Desde a nacionalização dos seus estaleiros e a sua integração em conjunto com outros fabricantes de navios, até dificuldades financeiras e recessão devido á anulação de alguns contratos, a empresa foi sofrendo de tudo.
O seu historial e palmarés é algo verdadeiramente notável.
Das suas construções saíram milhares de navios, alguns ainda hoje no activo por todo o mundo fazendo parte da Historia Universal.
Os estaleiros em Birkenhead foram vendidos apenas em 2001 e o ultimo navio concluído foi o submarino nuclear H.M.S. Unicorn ( S43 ) no ano de 1993.
A Cammell Laird ainda hoje se dedica á construção, reparação e alteração de navios, agora com sede em Gibraltar.
Nas docas de Birkenhead ainda hoje se pode visitar o submarino H.M.S. Onyx de 1966

A “Dinastia” Hildebrand

Hildebrand, nome de origem Nórdica, ligado á mitologia e religião, significa “aquele que persegue o seu objectivo” o que “nunca nega um combate”.
O nome forte e confiante de Hildebrand serviu ao longo dos tempos para apadrinhar três navios, distintos e distantes entre si, no tempo e na sua missão.


SMS Hildebrand

Construído para a Marinha Imperial Alemã, fez parte de um conjunto de oito outros barcos, da Classe Siegfried, colocados á disposição entre os anos de 1889 e 1895.
A sua função, tal com os restantes barcos da mesma classe, era a defesa costeira.
Fortemente armado em detrimento da velocidade e autonomia, esteve ao serviço até 1909 na costa Norte da Alemanha ( Nordsee e Ostsee).
Foram-lhe introduzidas grandes alterações que lhe concederam maior autonomia, mas que lhe reduziram algum do poder de fogo que possuía. Depois das alterações, passou a contar com depósitos para 580 tons. de armazenamento de carvão (inicial. 220 tons.)
No início da I Guerra Mundial integrou a Esquadra comandada pelo Contra – Almirante Ekermann.
Em 1916 foram-lhe retiradas as principais armas e serviu como estaleiro na cidade de Windau.
Após ter encalhado na costa Holandesa, em 1919, o que restava do navio foi dinamitado em 1933.

Características:
Ano de Construção: 1890 em Kiel, foi lançado á água em 1892
Dim. Originais: 79 m x 14,9 m x 5,7 m
Após alterações em 1903: 86 m x 14,9 m x 5,4 m
Peso original: 3741 toneladas., após alterações ficou com 4326 toneladas.
Propulsão: 8 caldeiras a vapor, sendo 2 verticais de 3 cilindros cada, com depósitos de tripla expansão, permitindo atingir uma velocidade máxima de 15 nós
Tipo: Navio de defesa costeira
Armamento: 3 peças de artilharia de 24 cm, 10 peças de artilharia de fogo rápido de 8,8 cm, inicialmente contava com 4 tubos lança torpedos passando após 1903 a contar apenas com 3.
Blindagem: entre 180 e 240 mm de aço.
Tripulação: 276 tripulantes, entre oficiais e marinheiros
Datas relevantes:
1890 Construído nos estaleiros de Kiel é lançado á água em 1892 ficando ao serviço como navio de defesa costeira, na costa Norte da Alemanha.
Entre 1899 e 1903 sofre modificações profundas que lhe concedem maior autonomia, retirando-lhe algum poder de fogo.
1914 integra a Esquadra do Contra Almirante Ekermann ficando ao serviço até 1916, altura em que lhe retiram as principais peças de artilharia ficando ao serviço como estaleiro.
1919 encalha na costa Holandesa.
1933 os seus destroços são dinamitados.


SS Hildebrand 2

 Este navio de carga e passageiros, construído em Greenock, Escócia fez a viagem inaugural em 1 de Abril de 1911 para a Both Steamship Company, ligando Liverpool e Manaus, no Brasil.
Durante a I Guerra Mundial serviu o 10º Esquadrão de Cruzadores ao serviço da Marinha Britânica escapando por algumas vezes ao ataque de U-boats Alemães no Atlântico, durante as travessias que efectuou integrando os inúmeros comboios com destino á Europa.
No final da guerra, retornou para o serviço civil, ficando ao serviço da Both Line para as viagens entre a Grã Bretanha e Manaus, fazendo escala no Porto, Lisboa e Funchal.

Características:
Ano de construção: 1911, Scotts Shipbuilding& Engineering Co, Ltd de Greenock, Escócia
Dimensões: 440,3 ft x 54,1 ft x 27,3 ft
Peso: 6995 tonelagem bruta, 4205 tonelagem de frete
Propulsão: Vapor de 2 “ x 4 cilindros de 946 nhp ( nominal horse power) atingindo uma velocidade máxima de 12,5 nós.
Tipo: passageiros e carga
Datas relevantes:
1 de Abril de 1911 é feita a sua viagem inaugural entre Liverpool e Manaus, fazendo escala em Le Havre.
5 de Dezembro de 1914 entra ao serviço da Marinha de Guerra Britânica, mudando de nome para HMS Hildebrand, ficando integrado como Cruiser Force “B” do 10º Esquadrão.
2 de Outubro de 1917 o comboio que integra é alvo de ataque de um submarino alemão, que provoca estragos e afundamentos entre alguns dos barcos.
17 de Janeiro de 1917 retorna ao serviço de carreiras da Both Line.
Entre 1922 e 1930 era o único navio de passageiros de 1ª classe a efectuar escalas regulares em Lisboa, Porto e Funchal na viagem que ligava Liverpool a Manaus
19 de Julho de 1932 acaba as suas viagens e aventuras, é enviado para Milford Haven.
Fevereiro de 1934 é vendido por 11.000 £, é desmantelado em Monmouth pela J. Cashmore of Newport.


R.M.S. Hildebrand 3

Navio de linha, construído nos estaleiros da Cammell Laird & Company Ltd, em Birkenhead no ano de 1951.
Fez a sua viagem inaugural no final desse mesmo ano.
Substitui do mesmo construtor e para trabalhar na mesma companhia o navio R.M.S. “Hilary” que serviu com distinção durante a II Guerra Mundial, ao serviço da Marinha Britânica.
O “Hildebrand”, maior e mais recente, teve uma existência mais calma, fazendo as suas viagens entre Liverpool e Manaus com escalas em Lisboa e Pará, estado do Belém, Brasil.
Praticamente sete anos após a sua viagem inaugural, encontra o seu fim junto ao forte de Oitavos em Cascais, encalhando num dia de nevoeiro cerrado e mar calmo.

Características:
Construído em 1951 por Cammell Laird & Comapany Ltd, Birkenhead
Dimensões: 439 x 60,3 x 34,6 pés
Peso: 7735 tonelagem bruta, 4368 tonelagem de frete
Propulsão: 2 turbinas a vapor, pressão de trabalho de 490 psi, produzindo 1200 nhp e uma velocidade máxima de 15 nós
Tipo: Navio de linha para passageiros e carga
Datas relevantes:
20 de Julho de 1951 lançado á agua para a companhia Both Line Limited
28 de Dezembro de 1951 viagem inaugural entre Liverpool e Manaus
25 de Setembro de 1957 encalha em Oitavos, Cascais ás 10 horas da manhã devido a cerrado nevoeiro. Não se registam danos pessoais, o que muito ajuda o mar se encontrar anormalmente calmo.
28 de Outubro de 1957 após inúmeras tentativas de soltar o barco das rochas, é dado como perdido, vendido como sucata e desmantelado.
Ficou no local ainda durante alguns anos. A força do mar e dos elementos continuou a destruição iniciada nessa manhã de Setembro.
Após os trabalhos de desmantelamento, ainda hoje são visíveis algumas partes do barco, no fundo.

Esta foi a “dinastia Hildebrand”.
Começando num navio de Guerra da Marinha Imperial Alemã, passando por um navio de passageiros que convertido ao esforço de guerra Britânico sobreviveu a inúmeras aventuras na travessia do Atlântico, até ao ultimo, talvez o menos feliz na sua existência, acabando num acidente, dando por terminadas as suas viagens de forma abrupta quando certamente teria ainda muito que navegar.
No final da década de 50, as Companhias aéreas começavam a exercer forte concorrência ás companhias de navegação, mas havia ainda muitos passageiros e principalmente carga cuja escolha recaía na travessia do Atlântico nestes belos e eficientes navios.
Todos eles fizeram justiça ao seu nome!
50 anos após o acidente em Cascais, o “R.M.S. Hildebrand 3” porpociona ainda belos e raros momentos de prazer a quem o pretende visitar, agora, onde repousam alguns dos seus restos de ferro.


Mergulhar no “Hildebrand”

Hoje, após 50 anos, os trabalhos de recolha e a fúria do mar do local, os destroços existentes são muito poucos.
No entanto ainda se conseguem ver pequenas partes do casco, com as suas cavernas, escotilhas, parte de um mastro, chapas espalhadas por uma área considerável e restos de variado material (ferragens, torneiras, etc.).
A zona é predominantemente areia, com algumas pedras de pequena dimensão na parte mais afastada da costa e á medida que nos aproximamos da costa a quantidade e tamanho dessas rochas vai aumentando.
A “fola” e correntes fortes são bastantes habituais no local, tornando muitas vezes impossível o mergulho.
Por ano, contam-se pelos dedos os dias em que se reúnem as condições óptimas para um mergulho, o que torna um aparente mergulho de baixa profundidade em algo mais complexo e a requerer maior atenção.
A profundidade varia entre os 8 e 11 metros dependendo da maré e do local em que nos encontramos.
A visibilidade, variável e dependente de vários factores, situa-se entre os 2 e os 12 metros, sendo mais provável encontrar cerca de 5 metros com alguma suspensão.
Há dois centros de mergulho a fazerem saídas regulares para o local, a Extreme Dive e a Exclusive Divers, ambos bastante conhecedores e experientes no spot.
Como alternativa e nos dias em que isso é possível, pode-se entrar por terra, aproveitando a lage de pedra situada mesmo ao lado do Forte de S. Jacinto em Oitavos.
Com a recuperação do forte, existe até um belo parque de estacionamento para equipar e deixar a viatura enquanto efectuamos o nosso mergulho.
No entanto, a entrada pelas rochas não é fácil. Requer bastante atenção ás condições de mar e trabalho de equipa principalmente depois na saída.
Aliando a estas condições a possibilidade de correntes e mar relativamente forte, a opção de uma saída organizada por um dos centros de mergulho locais é de ter bastante em conta.
Quanto a vida marinha, aproveitando os destroços como recife artificial, abundam as moreias (há um local onde são em numero considerável), safios, polvos, santolas e navalheiras em menor numero, alguns bodiões e fanecas juvenis.
Não existem exemplares grandes, não esquecer que o local também é frequentado por caçadores submarinos, que aproveitam também as facilidades de entrada na água, mas a vida que existe aliada aos destroços ainda visíveis torna o mergulho bastante interessante.
É muitas vezes utilizado também como spot para imersões nocturnas.
Aí, podemos ver os sempre presentes polvos, santolas, chocos, lulas e um ou outro safio pequeno.
Para se usufruir bem desta imersão nocturna é necessário observar e respeitar todos os procedimentos de segurança e fazer-se acompanhar de uma boa lanterna com bastante autonomia.


A “lenda” continua...

Durante todo o trabalho de elaboração deste artigo surgiram algumas curiosidades que por uma ou outra razão não consegui encontrar factos, registos que os comprovassem ou que estão relacionados com o Hildebrand e fazem parte já de uma espécie de "lenda" que envolve este barco.
A mais importante e que não pode deixar de ser referida é a existencia de um mini-museu que se encontra no quartel dos Bombeiros de Cascais dedicada aos vários salvamentos que têm efectuado nos diversos acidentes maritimos ocorridos naquela costa.
Lá, junto com muitos mais, o Hildebrand encontrou um local onde estão guardados algumas das peças recuperadas após o acidente, bem como fotos desse dia.
Surgiram tambem rumores de que uma das mais ricas familias de Cascais tinha comprado o destroço, algum tempo depois.
Na altura, a familia em causa achou engraçado estar associada ao facto e nunca confirmou ou desmentiu. Essa história ainda hoje pode ser lida num placard á entrada de uma conhecida e prestigiosa casa comercial de Cascais.
A imprensa local deu tambem algum destaque ao acidente durante os dias que se seguiram. Podem ser consultados na Biblioteca Municipal de Cascais alguns jornais da epoca com referencias ao Hildebrand
Há tambem a informação de que um dos botes salva-vidas pertencentes ao navio se encontrava ainda em boas condições num dos muitos ferro-velhos existentes em Lisboa, onde hoje se encontra a zona da Expo. Devido ás obras profundas que toda aquela area sofreu o rasto perdeu-se, não se sabendo qual foi o destino desse bote.
Por fim, talvez das mais estranhas histórias, confirmadas por mais que um mergulhador, foi a recuperação de munições antigas usadas em espingardas de fabrico Inglês.
A origem dessas munições permanece desconhecida, havendo várias possibilidades...Talvez assunto para posterior investigação ?!



domingo, 22 de dezembro de 2013

"Thermopylae", Senhor dos Ventos.


http://www.planetadagua.com/pdf/newsletter_planetadagua13.pdf

Janeiro 2009


 
 
   Escrever este artigo sobre o "Pedro Nunes", foi desde muito cedo um desafio ambicioso que resolvi colocar a mim próprio. Foi tambem a melhor forma de conhecer a sua história e de aumentar o fascínio que desde os primeiros mergulhos no local, este veleiro me suscitou. 
   Este barco, ao contrário de muitos outros, está bem documentado, tem alguns trabalhos e artigos publicados de diversos autores e uma enorme legião de fãs espalhada por todo o mundo. De Portugal, à Austrália, passando pelo Canadá e principalmente no local onde foi construído, Aberdeen, Escócia, os arquivos e informações sobre o veleiro são muitos.
   Poder-se-ia pensar que devido a esse facto as informações estão acessiveis, compiladas e agora bastaria ler e resumir toda essa informação.
    A verdade é que não é assim tão fácil !
   Quando se decide escrever, no caso concreto sobre este veleiro, onde tantos já gastaram horas do seu tempo em inumeras investigações, horas de dedicação e inspiração, o nosso esforço tem que ser no sentido de dignificar esses trabalhos, usar a inestimavel informação que contêm, referenciá-la, descobrir mais alguns pormenores entre as várias fontes e tentar elaborar um texto que enriqueça o conhecimento que hoje temos sobre uma época e um veleiro muito particular .
   Tornou-se um trabalho envolvente durante toda a pesquisa. Para cada certeza que tinha, surgiam mais e mais questões, algumas delas ainda sem resposta, outras confirmavam a fabulosa história deste veleiro.
   No contacto com alguns dos autores desses trabalhos, consegui perceber a razão do fascínio que, ao longo dos tempos, acompanhou este veleiro conseguindo cativar o interesse de tantas gerações.
   Cerca de 100 anos após o seu afundamento, a sua história coloca-o numa categoria que poucos conseguirão alcançar.
   O apoio e colaboração recebido para a elaboração deste artigo, o vasto conhecimento sobre o assunto de várias pessoas, foi de uma ajuda imprescindivel e sem elas não seria possivel concluir o que escrevi.
   Longe de estar completo, tentei reunir neste texto o máximo de informação, tentando com isso despertar o interesse sobre algo que pertence a todos nós e que devemos conhecer : a nossa História e o nosso Património submerso.
   Ficará ao critério de quem ler estas linhas julgar se o objectivo foi alcançado…


 De "Thermopylae" a "Pedro Nunes".
 
 "Pedro Nunes" não foi o seu nome "de baptismo". O Clipper (1) é lançado á agua em 19 de Agosto, numa quarta feira do ano de 1868 com o nome de "Thermopylae".
   Desenhado por Bernard Waymouth, foi construído nos estaleiros de Walter Hood & Co em Aberdeen na Escócia, para a empresa Aberdeen White Star Line, com o objectivo de efectuar viagens rápidas trazendo para os portos Britanicos as mercadorias necessárias a uma sociedade em grande expansão.
   Naqueles tempos, os barcos que atracavam primeiro, tinham como recompensa o melhor preço para a venda da sua preciosa mercadoria, além do enorme prestígio que barcos, oficiais e marinheiros orgulhosamente ostentavam entre os seus, aliado ao recebimento de um prémio extra por tal feito.
   Havia também em disputa, a competição por exibir no alto dos seus mastros o "Golden Cockerel" (3), atribuição dada ao barco mais rápido da chamada Rota do Chá, que começava na partida dos portos chineses, passando a Sul do Continente Africano pelo Cabo da Boa Esperança e terminando à chegada nos portos Britanicos.
   Segundo descrições da epoca, o "Thermopylae" era um barco lindíssimo, esbelto, proporcional e de linhas extremamente hidrodinâmicas, com o seu casco de madeira de teca pintado a verde, três mastros brancos, com seis velas por mastro, madeira trabalhada com dourados e uma figura de proa em branco de Leónidas, o Rei de Esparta.
   Possuía tambem a bordo dois canhões que serviam como defesa aos ataques de piratas que actuavam nas rotas seguidas pelos veleiros, principalmente no Mar da China, esperando a sua oportunidade de atacar tão cobiçada mercadoria e embarcações.
   A sua implícita velocidade foi resultado não só do tipo de construção utilizada, conciliando estrutura de ferro com cobertura de madeira forrada a placas de cobre na obra viva do navio, como também devido à aplicação de um desenho inovador e anteriormente testado para um novo tipo de proa com o nome de "Aberdeen Bow".
   Este tipo de proa permitia tambem dar estrutura à utilização de enormes mastros e por consequência grandes areas de vela característica também deste tipo de veleiros. O seu casco, menos profundo, mais esguio e comprido, nasceu pela necessidade de reduzir os impostos aplicados à carga transportada e que eram taxados também pela medida da parte submersa do casco.
   Em consequência, os barcos construídos segundo este desenho tornavam-se extremamente rápidos e de uma navegabilidade extraordinária. 
   Com tais características, o "Thermopylae" não desiludiu na sua primeira viagem. Sob o comando do Capitão Robert Kemball fez a viagem de Londres a Melbourne, Austrália, em apenas 60 dias seguindo-se novas escalas para Xangai e Foochow onde iria carregar chá, batendo consecutivamente também os recordes estabelecidos para cada etapa da viagem. O seu feito foi bastante notíciado nos jornais da época com grandes e rasgados elogios. Este recorde, ainda hoje, nunca foi batido por veleiro algum !!
   No ano seguinte, em 1869 foi construído e lançado à água o seu arqui-rival "Cutty Sark" com objectivo de concorrer com o "Thermopylae" na mesma Rota do Chá. Nascia assim uma rivalidade e dois mitos, sendo que nas várias corridas realizadas entre os dois magníficos veleiros o "Thermopylae" sempre conseguiu superar o seu adversário, estabelecendo ainda o recorde de maior distancia percorrida num só dia : 340 milhas náuticas.
   De realçar que apenas uma das viagens terá sido feita em simultâneo, com partida dos dois barcos do mesmo porto ao mesmo tempo. As restantes, feitas em condições de dias e marés diferentes, tiveram como referência o dia de partida e de chegada de cada um dos veleiros. 
   Porém, a Rota do Chá rápidamente deixaria de ser rentável para estes barcos.
   Com o aperfeiçoamento e desenvolvimento dos barcos a vapor que se tornavam cada vez mais rápidos e fiáveis e sobretudo com a abertura do Canal do Suez em 1869, diminuía em cerca de 12.000 milhas a viagem realizada, tornando-a assim mais rápida e segura para os navios a vapor e ditando o fim da utilização de veleiros nesta rota.
   Mesmo assim existem relatos de encontros entre o "Thermopylae" e vapores da altura. Um desses relatos, afirma que o veleiro acompanhou durante cerca de três dias, a uma velocidade de 16 nós o vapor "Empress of India".
   Com a sua tripulação de 40 homens, uma velocidade máxima de mais de 18 nós e quase duas decadas de experiência na Rota do Chá, as suas viagens seguintes ( entre 1880 e 1890 ) foram no transporte de lã entre a Austrália e Inglaterra.
   Mas a Era do Vapor tinha vindo para ficar, conquistando todas as rotas comerciais outrora feitas pelos veleiros. Sem grandes soluções à vista, foi vendido no ano de 1890 para a Mount Royal Milling & Manufacturing Co. de Victoria, British Columbia ( Canadá ) sofrendo aí as primeiras alterações ao seu aspecto original.
   Foram-lhe reduzidos a altura dos mastros, o numero de tripulantes passa para cerca de metade, o casco é pintado de branco e passa a ser uma Barca (2).
   As suas viagens são agora efectuadas no Pacífico Norte, levando carvão e madeira de Victoria e voltando com arroz da China.
   Nesta rota continua durante mais cinco anos, até 1895, continuando a desafiar e a afirmar-se com a sua incrível velocidade. Já perto do fim das suas grandes viagens, faz a ligação Hong-Kong - Victoria em 23 dias.
   Mesmo com todas as suas reconhecidas capacidades, é vendido no final desse ano, por não ser um transporte rentável.
   Em Maio de 1896 é adquirido pela Marinha Real Portuguesa, fazendo a sua viagem rumo a Lisboa no dia 16 de Maio.
   Durante a viagem é notado o facto de facilmente atingir velocidades de 12 e 13 nós, prova que as suas capacidades de navegação rápida ainda permaneciam quase inalteradas.
   Os ultimos anos de viagens em aguas dificeis e geladas e a sua idade faziam-se notar nas condições de toda a estrutura.
   A recuperação e manutenção do veleiro obrigaria na altura a grandes e urgentes obras.
   A 20 de Agosto de 1896 é oficialmente incorporado na Marinha Real Portuguesa como navio-escola de marinharia, sob o nome de "Pedro Nunes".


   "Pedro Nunes". De projecto para navio-escola a depósito de carvão no Tejo.


   Já com o nome que o iria acompanhar até final dos seus dias de mar, o "Pedro Nunes" nunca chegou a sofrer as obras de recuperação e de modificação inerentes ás funções a que se destinava.
   Por falta de verbas, a Marinha Real Portuguesa nunca avançou com esse projecto.
   No entanto, sob o comando do ultimo Comandante, CTEN João Augusto de Fontes Pereira de Mello permaneceu até fim de Maio de 1897 ao serviço da Marinha e de Portugal, ano em que foi descomissionado.
   O destino daquele que em tempos tinha sido considerado como o melhor veleiro de todos os tempos, batendo-se a sua tripulação orgulhosamente contra veleiros e vapores, era agora de uma forma irónica colocado ao serviço de quem lhe tinha roubado a glória. Tinha-se tornado um depósito de carvão fundeado no Tejo para abastecimento dos navios vapor de então.
   Sem orgulho e sem prestígio, a humilhação a que foi sujeito ainda não tinha terminado. Depois de retirados todos os mastros e de passar 10 anos nas suas funções de depósito de carvão flutuante, o "Pedro Nunes" degradava-se rápidamente.
   Em 22 de Julho de 1895 foi também adquirido para a empresa Joaquim Antunes Ferreira & Cia o seu eterno rival de outrora, o Cutty Sark, cujo nome foi alterado para "Ferreira" fazendo a partir daí as rotas comerciais para as Ilhas e ex-colónias Portuguesas em Africa.
   Pertenciam agora a Portugal, com missões muito diferentes, aqueles que tinham sido os dois melhores veleiros do mundo cujas viagens e rivalidades tinham encantado as histórias de aventuras de finais do seculo XIX.
   A sua fama e reconhecimento foram esquecidas e os dois barcos teriam também destinos muito diferentes.
   O "Cutty Sark" seria comprado por Wilfred Dowman em 1922, que reconhecendo o navio resolveu adquiri-lo e recuperá-lo.
   Após a sua morte, foi doado pela viúva Dowman ao Thames Nautical Training College que o tornou naquilo que ainda hoje se pode encontrar na doca de Greenhithe, no rio Tamisa : um extraordinário museu que recorda a época de ouro dos veleiros. Uma das lanternas existentes no salão do actual museu "Cutty Sark" pertenceu ao "Thermopylae" e foi oferecida por um engenheiro naval após aquisição em Lisboa durante os trabalhos de desmantelamento sofridos por este ultimo.
   Quanto ao "Pedro Nunes", o seu destino final foi traçado no dia 13 de Outubro de 1907, quando no decorrer de um festival náutico na Baía de Cascais o torpedeiro Nº 3 da Marinha Real Portuguesa, disparou 3 torpedos, acertando 2 em cheio no navio. O primeiro acertou junto á popa e o segundo na proa, afundando o veleiro rápidamente, envolto em chamas.
   Os jornais da altura que noticiaram o afundamento referiram-se ao veleiro como sendo um batelão, nunca sequer mencionando o seu ilustre passado ou as suas origens.
   Após esse dia, o "melhor veleiro do mundo" permaneceria no fundo do mar a cerca de 30 metros de profundidade em local que foi sendo esquecido pelo passar dos anos.
    

   Figura de proa : "Leónidas" vs. "Dama de Rosa"


   Em conjunto com o sino de bordo, a roda de leme e a bitácula, a figura de proa é seguramente aquela que define a "alma" de um navio.
   Geralmente trata-se de figuras mitológicas, dedicadas ao mar ou que se relacionem com o nome do navio.  No caso do "Pedro Nunes", a imagem original era a figura de Leónidas, Rei de Esparta que combateu os Persas no desfiladeiro de Thermopylae no ano de 836 a.c. e que segundo a lenda, junto com trezentos bravos soldados atrasou o avanço inimigo, dando tempo para a população de Atenas se organizar e fugir.
   No projecto desenvolvido pela Marinha Real Portuguesa de transformar o "Pedro Nunes" em navio-escola, foram previstas grandes alterações no veleiro, não só a nivel da recuperação do casco e estrutura por anos de utilização em condições extremas, mas tambem e principalmente ao nivel do aparelho de velas como forma de o adaptar à sua nova função.
   Desde os tempos das suas viagens no transporte de lã que as primeiras modificações tinham sido feitas, estando o navio equipado nessa altura como uma Barca.
   Em Victoria, Canadá são feitas mais modificações, chegando a Portugal dessa forma.
   As principais modificações caso o projecto de navio escola tivesse avançado, seriam visíveis nos mastros, que ficariam equipados com quatro vergas por mastro ( o Thermopylae estava equipado com seis e cinco na mezena ) reduzindo assim consideravelmente a sua area de pano de vela.
   A localização interior da mesa das enxárcias e caranguejas em todos os mastros seriam outras das alterações a aplicar ao aparelho do veleiro.
   Fazia parte também dos planos da Marinha Real Portuguesa a substituição da figura de proa pela "Dama de Rosa" que nunca chegou a ser efectuada, tendo, como já referido, a Marinha Real abandonado o projecto de tornar o veleiro em navio escola.
A "Dama de Rosa" é uma imagem que aparece representada no modelo à escala do veleiro "Pedro Nunes" em exposição no Museu do Mar de Cascais, da autoria de Carlos Montalvão.
   Até hoje, que se saiba ou haja registos, nunca foram encontrado vestígios de nenhum dos artefactos originais.
   Os maus tratos e abandono sofridos pelo veleiro nos seus ultimos anos no rio Tejo, dificílmente fizeram com que tão valiosos elementos tenham conseguido chegar ao dia do seu afundamento e hoje permaneçam junto com os restos no fundo da Baía de Cascais. No entanto, nas fotos existentes do momento do afundamento, sem grandes confirmações devido á qualidade baixa das fotos e aos anos entretanto passados, a figura de proa de "Leónidas" é vagamente reconhecida.
   Poderá ter sido recuperada depois e/ou de forma ilegal ? Até hoje, a dúvida permanece.


   A descoberta do "Pedro Nunes"

   Através dos registos do ROV PHATOM S2 do Instituto Hidrográfico, a uma profundidade de 30 metros é descoberto um local de um navio afundado, ficando conhecido como “Navio Velho”.
   No mesmo ano, em 2003, um grupo de mergulhadores em colaboração com o CNANS prepara uma imersão num local situado na Baía de Cascais, como forma de verificar e validar a descoberta.
   O local situa-se a cerca de duas milhas a sul da marina de Cascais.
   A preparação do mergulho e de recolha de toda a informação começou muito tempo antes.
   Em Abril é feita uma primeira tentativa de identificar o significado do eco mostrado pela sonda.
   Com más condições de mar, visibilidade inferior a 5 metros e 20 minutos de busca nada é encontrado.
   Novas tentativas ficam adiadas até 13 Junho. Nesse dia, o grupo constituído por quatro mergulhadores, Carlos Martins, Augusto Salgado, Leonel Silva e Pedro Granja mergulhando a uma profundidade de 30 metros procedem com exito à identificação do destroço, que pelas suas caracteristicas ( rombo no casco a bombordo, estruturas metálicas, chapas de cobre e restos de carvão) significa que o "Pedro Nunes" foi descoberto.
   Com a melhoria significativa das condições de visibilidade, o grupo voltou ao local. Com base nos registos video e fotográfico obtidos e pela investigação documental, confirmam o local como sendo o destroço do veleiro que pertenceu à Marinha Real Portuguesa.
   Estava assim descoberto o local onde jaz há mais de 100 anos, o veleiro que após inumeras viagens por todo o mundo, tinha terminado a sua carreira em Portugal.

   "Aos 30 metros de profundidade onde jazem os restos do navio, o que logo surge aos olhos dos mergulhadores são as longas cavernas de ferro, como costelas de um ser, agora já sem o costado que as cobria que, por ser de madeira, já desapareceu, pelo menos nas zonas não enterradas na areia. Surgem, também, diversas outras formas metalicas, por vezes com formatos indecifraveis, algumas chapas de cobre (utilizada para forrar o casco) e alguns (poucos) vesti­gios de carvão, que permitem confirmar a identidade do naufrágio. Entre os destroços encontram-se inumeros aparelhos de pesca, assim como muitos cabos e algumas redes, testemunho das tentativas dos pescadores para capturarem a diversificada vida marinha que habita este verdadeiro oásis no meio de uma imensa planí­cie de areia.
   Antes de terminarem os cerca 20 minutos permitidos aos mergulhadores devido á profundidade, ainda há tempo de descobrir, meio enterradas na areia, duas peças de sanitários, vesti­gio da outrora utilização humana.
Comandante Augusto Salgado "

   Hoje em dia, talvez dificil de entender é a decisão tomada para o afundamento do veleiro. Para um dos Reis de Portugal, que dedicou ao mar e ao seu conhecimento tanto da sua vida, excelente marinheiro e conhecedor da arte de velejar, é talvez um dos maiores paradoxos que a história deste veleiro encerra.
   Para tentar entender a razão temos de perceber que os anos que passou no Tejo, como pontão de carvão, após anos de navegação em condições severas, tinham degradado de forma quase irrecuperavel o veleiro de outrora.
   A maior honra dada a qualquer navio é que termine os seus dias no mar, seja em batalha ou afundado com todas as honras militares.
   No caso do "Pedro Nunes" há quem defenda a teoria de que o seu afundamento foi a forma encontrada de dar ao "Melhor Veleiro do Mundo" um final digno e segundo a antiga tradição Vicking, envolto em chamas na bela Baía de Cascais.
   Não nos podemos esquecer que estávamos no ano de 1907. O sentido que hoje temos de conservação e de valor é seguramente diferente do de outrora.
   Talvez dificil de compreender quando hoje em dia o "Cutty Sark" é visitado por milhões de pessoas, servindo para criar um fundo monetário que lhe permite sustentar a sua onerosa conservação.
   Neste momento o Museu encontra-se encerrado para as urgentes e complicadas obras de manutenção e recuperação, tanto do veleiro como de modernização dos edificios de apoio, estando prevista a re-abertura ao público em Março de 2010.
   É, ainda hoje, um dos mais conhecidos barcos de todos os tempos.
   Quanto ao "Pedro Nunes" continuará no fundo da baía de Cascais, à espera do seu merecido reconhecimento.
   O local tem sido alvo de diversos estudos e projectos arqueológicos, encontrando-se interdito ao mergulho salvo algumas autorizações.

 
   100 anos depois do seu desaparecimento

    Com todo o seu historial, foi sempre motivo de interesse e de fascínio por todos os países onde as suas viagens o levaram.
   Na Escócia, o Museu Maritimo de Aberdeen, local onde se encontram depositados parte dos documentos da sua história, realizou-se em 2007 uma exposição de homenagem, como forma de evocar os cem anos do seu afundamento.
   Ainda durante a sua época de ouro, o nome "Thermopylae" serviu em 1891 para baptizar um novo navio vapor que, acabou por naufragar em 12 de Setembro de 1899, sem nunca conseguir afirmar-se e "honrar" o nome que ostentava. Mas as pessoas não tinham esquecido o antigo veleiro. De uma forma irónica chamaram ao infortunado vapor "our latest ship Thermopylae" (o nosso ultimo barco Thermopylae ) referindo-se ás lembranças dos feitos que todos tinham do veleiro em comparação com o "novo Thermopylae".
   Na Austrália, a State Library of South Australia possuí uma excelente colecção de fotos do veleiro, principalmente dos anos da decada de 1880 que corresponderam ao período das suas viagens de transporte de lã entre Austrália e Inglaterra.
   No Canadá em 1932, na cidade de Victoria, foi formado um Clube de "velhos Lobos do Mar" que além de manterem viva a memória do veleiro, efectuam variadas actividades alusivas ao mar e às suas experiencias enquanto marinheiros, tendo como sede o museu marítimo da cidade, considerado um dos melhores museus marítimos do mundo.
   Como curiosidade, alguns dos fundadores do clube serviram ainda no "Thermopylae". Numa época em que estes clubes eram reservados só a homens, hoje em dia contam com a participação também de seis mulheres e continuam a reunir-se todas as segundas quartas-feiras de cada mês. Construíram ainda uma bela réplica do veleiro com três metros de comprimento para comemoração do centenário do seu lançamento à agua.
   Em 1968 é publicado em Vancouver o livro que até hoje foi a obra mais completa alguma vez publicada sobre o Clipper "Thermopylae" servindo de referência obrigatória a todos os trabalhos posteriores.
   O livro fala de todos os aspectos relacionados com o veleiro, focando pomenores da sua construção, detalhes da sua história, reprodução de documentos e mapas, passando por todos os períodos da sua fabulosa história até ao afundamento em 1907.
"Thermopylae, and the Age of Clippers " é o nome do livro e o seu autor John Crosse, dedicou anos da sua vida na investigação e elaboração de variadas obras sobre barcos e em especial do referido livro.
   Hoje em dia, muito do seu legado encontra-se depositado na University of British Columbia.
Nascido na Nova Zelandia em 1925, engenheiro de formação, emigrou em 1959 para o Canadá.
   Bem cedo a sua paixão pela história marítima local levou-o em 1968 a escrever e publicar o livro sobre a história do veleiro. Seguiram-se muitos mais artigos e investigações de inumeros barcos.
   Faleceu em 31 de Outubro de 2006, com 76 anos, vitima de ataque cardíaco. Trabalhava na sua ultima investigação e pesquisa. 
   Ainda no Canadá em 1983, a cidade de Victoria para comemorar a sua ligação ao veleiro procede à cunhagem e lançamento de uma moeda de um dólar. Realiza-se ainda uma regata com o nome original do veleiro, como forma de preservação do seu passado e da sua memória naquelas paragens.
   Em Portugal, local do seu afundamento existe uma grande admiração e esforços por reabilitar, dar a conhecer e divulgar a história do veleiro.
   Já foram publicados inumeros artigos na imprensa escrita, desde jornais a revistas mais especializadas. É assunto recorrente em várias conversas e opiniões, de especialistas a curiosos.
   Foram feitos estudos arqueológicos no local, estando previsto a criação de um itenerário subaquático. Houve em tempos também a ideia de efectuar um documentário televisivo sobre toda a sua história.
   Mas para breve, com data prevista para 2009, estando já na fase final de projecto, a publicação de um livro promovido pelo Município de Cascais e desenvolvido pelo Museu do Mar será uma realidade.
   O Museu do Mar de Cascais é local por excelência para que também em Portugal a evocação da fabulosa história do veleiro seja lembrada ás gerações actuais e futuras.
   Este local, coloca á disposição de todos os interessados variadas informações, exposição de imagens e uma réplica do projecto que nunca chegou a ser concretizado, de transformar em navio escola aquele que foi considerado o Melhor Veleiro do Mundo, da época de ouro da navegação à vela. 


(1) Clipper : Navio á vela, surgiram na segunda metade do seculo XIX nos EUA. Caracterizam-se por serem navios estreitos e leves, com uma grande area de vela que lhes permite atingir grandes velocidades. 
(2) Barca : Navio á vela de três ou mais mastros equipado com velas redondas.
(3) ”Golden Cockerel” : Estatueta de um galo dourado com uma fita azul, atribuído como troféu, colocado no mastro mais alto do barco que efectuava a travessia da Rota do Chá mais rápidamente


Algumas características do veleiro “Thermopylae” :

Numero de Registo : 170, Lloyd’s, Port of London em 1868
Classificação : 17 A 1
Construção : navio compósito (cavername em ferro, forrado a madeira)
Comprimento : 88,4 metros
Largura : 11,7 metros
Calado : 6,4 metros
Altura máxima: 52 metros
Peso neto : 948 tons.
Peso bruto : 1300 tons.