sábado, 19 de julho de 2008

Espírito…de mergulho

"S. Miguel é a maior das ilhas dos Açores…" isto não é novidade, para qualquer pessoa que passou pela escola, ouviu vezes sem conta a professora repetir a mesma afirmação.
Nem sequer foi para comprovar se tinha sido enganado todos estes anos que escolhi esta ilha como a primeira visita que efectuaria a este arquipelago.
Tratou-se mais de uma questão logistica e de opção do que constatar que realmente a D. Antonieta, a minha primeira professora, estava certa e que eu só ao fim de mais de trinta anos é que consegui "tirar a limpo" essa afirmação, muitas vezes repetida de forma...veemente.
O que nunca ninguem me ensinou e que não é ensinado em nenhuma escola é que S. Miguel tem também uma beleza natural espectacular, as pessoas são todas de uma simpatia extraordinaria, a gastronomia é divinal e tem optimos locais de mergulho.
Isto, meus amigos, se fosse ensinado na escola diminuia o insucesso escolar e promovia o que de melhor existe em Portugal.
Mas é algo que não se pode ensinar…tem de obrigatoriamente ser vivido !! Só espero que não guardem trinta e tais anos para o fazer, tal como eu…
Os mergulhos foram muito poucos, para a qualidade verificada logo no primeiro mergulho e que deixava antever que a partir daí seria sempre em crescendo, a verdade é que mesmo mergulhando 24 horas por dia deixaria sempre a mesma sensação : os mergulhos nos Açores são sempre poucos !!!
O Centro escolhido, foi recomendado pelo amigo Carlos Morais o que conhecendo o Carlos e a sua "busca da perfeição" nos bonecos que nos vai habituando, garantia sem margem para qualquer duvida que era a melhor escolha. Antes, claro está, resolvi marcar e telefonar para o Centro de Mergulho Espirito Azul, falando com os dois responsaveis pelo Centro, para avisar das minhas intenções.
Cheguei numa Terça feira ao local onde seria a minha casa nos proximos dias.
Aquilo que reparei logo foi, além da bela vista sobre o mar que o quarto me oferecia, uma coleção de fotografias subaquaticas que existiam no acesso ao restaurante do hotel, representando alguns dos belos exemplares da vida subaquatica da região. Estava definitivamente no local certo !!!
Apesar de não serem dias dedicados exclusivamente ao mergulho, estava já bem envolvido e inspirado.
Aproveitando o convite para jantar do Carlos Morais, pôr a "escrita em dia" em vesperas da sua participação em mais uma competição e após a sua votação da primeira etapa do FotoDigiSub, fui finalmente conhecer o Centro de Mergulho e combinar os pormenores das saidas.
Encontrei um Centro de Mergulho bem organizado, arrumado e limpo, com optimas instalações, onde cada coisa tem o seu local perfeitamente identificado e de forma quase intuitiva.
Do Centro ao local de embarque são pouco mais de 50 metros onde todo o equipamento é transportado por um atrelado, puxado a motor gasoleo, de uma bela carrinha toda decorada e identificada com os logos do Espirito Azul.
O primeiro mergulho seria então no dia seguinte, pela manhã. Estava ansioso, já que o tempo e o mar convidavam a um belo mergulho.


Baixa das Castanhetas

Pontualidade de todo o pessoal, incluíndo os clientes, permitiu que embarcassemos rápidamente, não sem antes ser dado o briefing do mergulho…em 2 linguas !! A nacionalidade dos clientes assim o obrigou.
Trata-se de uma baixa em que o topo se encontra submerso a cerca de 12 metros e desce de forma relativamente acentuada até aos 40 metros.
O plano era seguir o guia por entre as várias elevações e depressões, tendo especial atenção ás reentrancias onde poderiam estar entocados enxaréus e enchovas em epoca de chegada das suas migrações, além da indispensavel atenção aos diversos cardumes que circulariam por cima no azul.
A profundidade máxima era para ser respeitada e não ultrapassar os 20 - 25 metros. Não havia necessidade de descer ao fundo da baixa, porque a verdadeira acção seria na meia agua.
Pessoal e equipamento embarcado, a viagem não demorou mais de 15 minutos passados num ambiente descontraido, onde o Nélio Santos com a sua maneira de ser alegre e extrovertida animou o pessoal a bordo, "picando" e "picante q.b" nas suas loucas intervenções.
O Carlos Paulos seria o skipper enquanto o Nélio Santos seria o guia do grupo. A bordo seguiam mais cinco pessoas, o que permitia um espaço livre consideravel na embarcação.
O combinado era o grupo descer em conjunto, pelo cabo fundeado na baixa. Fui rápido a cair na agua junto com o Nélio e a verificar a bela visibilidade que se encontrava por baixo das nossas barbatanas.
Via-se perfeitamente toda a parte superior da formação rochosa e mais uns bons 20 metros abaixo !! Para inicio estava muito bom assim !!
A descida foi lenta, quase a saborear cada centimetro de descida num azul limpido, de agua a 21º, salpicada por peixes de várias especies.
Seguir o guia era o objectivo e fundamental para quem, como eu, não conhecia nada do local.
Por cima já circulavam algumas Bicudas em cardumes pequenos enquanto em baixo uma pequena garoupa entretinha-me. Procuro novamente o meu buddy e guia que suspenso a meia agua controlava o grupo.
Devido á configuração da baixa, o grupo separa-se ligeiramente, ficando eu com um casal de Espanhois muito simpáticos conhecidos no Centro antes de embarcar, Carlos Viñader e Isabel Hervás, tratados carinhosamente pelo Nélio por "Tios"( leia-se em sotaque Castelhano)...
Passam, entretanto, por cima e relativamente perto um cardume de uma duzia de Atuns, sempre velozes e em perseguição de alimento, abundante naquele local. Vejo o meu buddy desaparecer numa depressão, sendo seguido pelo casal de Espanhois e resolvo subir ligeiramente, encurtando o caminho para me juntar ao resto do grupo.
No fundo da depressão, sendo observado de perto pelo Nélio, um pequeno grupo de Peixe-Rei executa uns movimentos que eu nunca tinha observado, o que me intrigou e levou a aproximar-me mais um pouco.
Para meu azar, a pouca subtileza da minha aproximação estragou o ritual que mais tarde me informaram ser de…acasalamento. Nem sequer tive ocasião de pedir desculpa aos apaixonados peixes…
O Nélio pede então para o informarmos do ar disponivel decorridos que estavam cerca de 30 minutos de mergulho.
Ainda com pouco mais de 120 bar o mergulho ainda duraria e estava guardado o "grande final" deste primeiro mergulho.
Deslocamo-nos entretanto para uma parte um pouco mais funda e ligeiramente fora da pedra, onde se via perfeitamente o fundo da baixa e mantemo-nos ali durante uns segundos.
Do meu lado direito, vindo do fundo, subia majestosamente um enorme Mero. Com perto de um metro de comprimento aproxima-se cautelosamente dos visitantes, chegando perto da nossa profundidade, fazendo-nos acreditar no seu desinteresse com algumas manobras de evasão.
Esconde-se por trás de uma rocha, deixando momentaneamente de o ver.
Resolvo ser eu a tomar a iniciativa, pensando em enganar tão majestoso especime e dar a volta em sentido contrário. Uma especie de "jogo do gato e do rato", entre curiosidade e cautela de ambos…cautela do Mero na aproximação por razões obvias e cautela minha em não estragar tão raro momento.
Quando surjo do lado contrario ao que eu pensava surpreender o Mero, não sei onde se meteu.
Sinto uma presença no meu lado e sou observado a menos de meio metro por enormes olhos, com a barbatana dorsal toda eriçada…O "rato" afinal tinha sido eu…Touché !!!
Mantemo-nos imoveis por breves segundos até á aproximação do resto do grupo.
O companheiro Espanhol resolve então raspar a sua mão na pedra, provocando a obvia reacção do Mero. Aproxima-se rapidamente para investigar encostando-se literalmente ao mergulhador.
Está na hora de terminar este mergulho. O ar rapidamente esgota nestes momentos e dirigimo-nos todos para o cabo.
Subo lentamente observando ainda o fundo e o azul á minha frente.
De realçar que este Mero e muitos outros visitados regularmente pela Espirito Azul não são alimentados á mão. São animais no seu estado selvagem que se aproximam ou não, dependente da sua própria vontade e não condicionados pelas "guloseimas" que muitos mergulhadores levam.
Em conversa após terminar o mergulho, já no Centro, trocámos várias opiniões e conversas sobre o assunto e dos problemas que têm sido detectados em Meros em reservas por esse mundo fora.
Além dos problemas com o excesso de confiança que este comportamento porpociona, com consequencias obvias muitas vezes, têm sido tambem verificados problemas graves de saude em animais devido á sua "dieta".
Quanto a mim, sem querer julgar ninguem, considero que a aproximação e interacção com animais em completo estado selvagem em que a sua vontade não está condicionada á recompensa alimentar, têm muito mais interesse e porpociona momentos unicos de respeito e de fascinio que ficarão para sempre gravados na memória.
Depois deste belo mergulho, estava ansioso por conhecer novos locais e novas experiencias, ficando combinado logo um segundo mergulho para a manhã seguinte...mesma hora, mesmo Centro…local diferente.


Arcos da Caloura

Trata-se de um spot espectacular para quem faz fotografia. Tem inumeros motivos e temas de todos os tamanhos e feitios para entreter o mais exigente dos fotografos subaquáticos.
Além do mais é um mergulho baixo, em que a profundidade não ultrapassa os cerca de 15 metros, sendo também ideal para quem tem pouca experiencia, não obstante a existencia de algumas passagens amplas e sem qualquer perigo para o mais inexperiente dos mergulhadores. Quem por qualquer motivo não se sente bem com estes ambientes pode efectuar o mergulho usufruindo de toda a sua beleza e esplendor sem sequer efectuar as referidas passagens.
Para os demais, o uso de lanterna é fundamental. É a unica forma de comtemplar toda a beleza e vida que existe em cada uma das passagens submersas.
Tal como indica o proprio nome do spot, a formação rochosa é composta por "arcos" que não são mais que amplas passagens feitas na rocha vulcanica com menos de meia duzia de metros de extensão na maior das passagens.
Dentro, o tecto está forrado a cardumes de peixes de várias especies e Espirografos que ondulam na passagem da corrente.
No fundo, normalmente a quererem passar despercebidos rascassos de vários tamanhos tentam fugir e esconder-se cada vez que são descobertos pela nossa iluminação.
É um mergulho que tende a ser longo, por isso não há pressa em observar calmamente e com atenção cada centimetro da formação rochosa. Acreditem que vale a pena !!
Rodeando a formação rochosa principal existem várias outras pedras que merecem a nossa visita. Deixem essa parte para a segunda metade do mergulho, com alguma sorte encontrarão grandes Moreias e timidos Eremitas de bom tamanho.
Fui acompanhado pelo Heitor Melo, aluno formado e cliente das saidas realizadas no Espirito Azul. Seria tambem a sua estreia no local o que nos permitiu uma maior dedicação e atenção á descoberta do local.
Tentámos não perder de vista o resto do grupo onde o Carlos Paulos fazia de guia.
Numa das vezes fomos encontrar o grupo a tentar convencer um Mero a sair do seu buraco, mas acabámos por nos afastar e investigar o que se passava detrás de uma pedra onde surgia uma enorme nuvem de suspensão.
Não era ninguem que inadvertidamente arrastava as barbatanas ou o corpo pelo fundo, pela forma e tipo de nuvem era algo mais localizado e persistente.
Aproximamo-nos lentamente usando a pedra para nos ocultar e permitir ver o que se passava.
No fundo de areia, junto á pedra um Ratão com mais de meio metro de diametro, alimentava-se escavando a areia com as suas "asas", desenterrando e descobrindo o seu alimento.
O Ratão estava tão concentrado na sua tarefa que permitiu a nossa aproximação até cerca de dois palmos de distancia, sem sequer dar pela nossa presença.
Permitiu estarmos ali a observá-lo durante largos segundos, quase com medo de respirarmos e perder o espectaculo.
Após com toda a calma do mundo preparar a maquina fotográfica e tirar a primeira foto, o Ratão levantou ligeiramente a sua barriga do fundo, apenas suspenso pela ponta das "asas", apercebeu-se da nossa intromissão, desviou-se para a direita e nadou para longe.
Foi sem duvida a imagem que melhor retive no final deste espectacular mergulho.
Minutos depois ascendiamos á superficie, tendo ainda tempo de contemplar cardumes de Bicudas e Xaréus a nadarem no azul limpido, cristalino, de um tom azul claro, único e indescritivel.


Naufrágio do "Dori"

Seria o ultimo mergulho nas aguas de S. Miguel…pelo menos desta vez.
A saida foi combinada para as 14 horas e teriamos ainda uma viagem de barco de quase 45 minutos.
Pela primeira vez, o barco era ocupado na totalidade por mergulhadores Portugueses. Carlos Viñader e Isabel Hervás, o simpatico casal Espanhol com quem tinha partilhado as ultimas imersões não nos acompanhariam desta vez.
Ao chegar no local onde fundeámos o barco, via-se antes de entrar na agua a sombra do naufrágio no fundo. Reconhecia-se também uma enorme mancha em movimento constante por baixo do barco. Segundos depois tinhamos a confirmação do pessoal que entrava na agua de que se tratava de um cardume de centenas de Xaréus que se deslocavam na zona, por cima do destroço. Os setenta metros de comprimento fazem com que seja quase impossivel uma unica visita ao local. Os mais de quarenta anos em que se encontra no fundo, sujeito aos rigores do mar Açoreano, fazem com que a popa seja ainda o local em que a estrutura esteja menos danificada, tombada para estibordo com uma das helices ainda com as pás completamente visiveis.
A profundidade oscila entre os 12 metros e os 20 metros e as várias partes do naufragio estão quase que completamente forradas por espirografos.
Os guias seriam mais uma vez o Carlos Paulos e o Nélio Santos, cada um com um grupo e que nos levariam por um passeio espectacular por entre as várias partes que se encontram na popa.
Distinguem-se ainda guindastes e equipamento de carga do navio, dois enormes reservatótios colocados lado a lado. No fundo de areia, Salmonetes de vários tamanhos vasculham constantemente o fundo.
Além do interesse em olhar nos esconderijos formados pelo ferro e que escondem cardumes de várias especies, temos de estar tambem com atenção ao azul e ao que nos vai passando por cima. Há sempre grandes surpresas como a enorme ( e aqui enorme é mesmo...enorme !!!) Barracuda solitária que curiosa com a nossa presença resolveu aproximar-se e investigar aquele grupo de estranhos seres.
A passagem pelo hélice é obrigatoria e nesse local encontramo-nos na parte mais funda do mergulho.
Acompanhado pelo Pedro Veiga, que tinha chegado aos Açores vindo do Algarve, fomos demorando o tempo, fazendo por aproveitar cada segundo do nosso mergulho.
A temperatura agradavel da agua, a visibilidade excelente e motivos q.b. para fotografar, contribuiram para tornar este mergulho num dos melhores mergulho em nafrágio que já realizei.
Consegue-se sentir o silencio e a calma emanada pelo local, sendo apenas interrompido pela nossa respiração pausada e cadenciada.
Na subida, todo o grupo se juntou no cabo permitindo uma visão espectacular de mergulhadores tendo como tela de fundo os restos do cargueiro perfeitamente visiveis agora em toda a sua extensão e até onde a vista alcançava.
Já mesmo no final do mergulho, somos "invadidos" pelo cardume de Xareus visto no inicio.
Envolvem-nos e rodopiam de forma compacta.
Das ultimas visões que retenho deste mergulho, é o Nélio e outro companheiro a seguirem o cardume completamente envoltos na nuvem de peixe.
Eu, infelizmente, já não tinha ar para mais tempo.


Terminava assim os mergulhos que efectuei em S. Miguel.
Muito mais do que um paraiso subaquatico, que permite mergulhos inesqueciveis e variados, é tambem fundamental conhecer a ilha na sua totalidade. Vale cada centimetro conhecido.
Por mim, ficarei para sempre rendido a todas as belezas que encontrei.
Quanto aos companheiros e Centro de Mergulho, acredito que dificilmente encontrarei quem, com o seu profissionalismo e dedicação, consiga encarar melhor o verdadeiro Espirito Azul…
Açores…até breve !
















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